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O PL das Fake News e a regulação da mídia

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 25, o requerimento de urgência para votação do PL das Fake News. Portanto, os deputados votarão o projeto de lei 2630 no dia 2 de maio. Em caso de aprovação, o Senado voltará a analisar o projeto, que teve origem na casa em 2020. O governo apoia o projeto de lei, enquanto as chamadas big techs fazem campanha contra.

O artigo original defendia a remoção de um artigo, sobre a remuneração do jornalismo. Fiz a leitura do texto final, revisado, que vai a votação e mudei de ideia. Explico abaixo:

Orlando Silva, relator da PL das Fake News. FOTO: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O ponto em questão é a remuneração do jornalismo por parte das empresas de redes sociais, motores de busca e aplicativos de mensagens. Diz o documento do relator da proposta, Orlando Silva (PCdoB/SP):

Art. 32 Os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas de direitos de autor, na forma de regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente.

Esta proposta não está em discussão apenas no Brasil. A União Europeia também discute o assunto. As plataformas como Google e Facebook utilizam a produção de notícias das empresas jornalísticas para seus buscadores ou redes sociais, ganham dinheiro em cima e o produtor do conteúdo fica sem nada. Inicialmente, eu entendia que havia um problema no que que o PL das Fake News considera jornalismo:

§ 2º Farão jus à remuneração prevista no caput pessoa jurídica, mesmo individual, constituída há pelo menos dois anos, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no País.

O que é conteúdo jornalístico original? O que é conteúdo jornalístico na internet? Quem decide o que é, o que não é? Qualquer pessoa jurídica constituída há mais de um ano pode se dizer empresa de jornalismo?

Melhorias na redação do PL das Fake News

O relator Orlando Silva fez diversos ajustes na redação afinal. E por fim, a parte sobre remunerar o jornalismo ficou boa. Os parágrafos 3, 4 e 5 dizem:

§ 3º É livre a pactuação entre provedor de aplicação e empresa jornalística, garantida a negociação coletiva pelas pessoas jurídicas previstas no § 2º, inclusive as que integrarem um mesmo grupo econômico, junto aos provedores quanto aos valores a serem praticados, o modelo e prazo da remuneração, observada a regulamentação.
§ 4º A regulamentação disporá sobre arbitragem em casos de inviabilidade de negociação entre provedor e empresa jornalística.
§ 5º A regulamentação a que se refere esse artigo deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento.

No artigo original, a principal crítica que tinha ao artigo sobre remuneração do jornalismo era a falta de clareza. Ou seja, eu era contra tratar deste assunto sem uma regulação dos meios de comunicação. Porém, a redação final força o Brasil a regular a mídia em breve. Isto é muito positivo.

A Google, em sua campanha contra o PL, falou sobre o artigo de remunerar o jornalismo. A empresa deixa claro que pode desindexar sites de jornais que não fizerem um bom acordo com ela. Porém, a redação final protege os jornais disto:

§ 6º O provedor não poderá promover a remoção de conteúdos jornalísticos disponibilizados com intuito de se eximir da obrigação de que trata este artigo, ressalvados os casos previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica.

O objetivo do PL das Fake News, como o próprio nome popular diz, é combater à desinformação nas redes sociais. Porém, estudos apontam que a indústria da desinformação possui muitas vezes, a fachada de empresas jornalísticas. São páginas que levam nome de jornal, mas que só produzem notícias falsas ou distorcidas para atender determinados públicos. E essas páginas alimentam as redes sociais.

O agora artigo 32 do PL 2630 não especifica nada sobre o que é jornalismo, porém força uma regulação da comunicação social no país. Especifica que os meios locais e regionais precisam ser atendidos, favorece negociação coletiva e impede a Google de desindexar jornais apenas para não pagar.

Regulação da mídia, SIM

A regulação da comunicação social é algo comum e óbvio em diversas democracias pelo mundo. Em Portugal, há uma Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) e toda empresa se pretende fazer jornalismo precisa estar cadastrada, sob fiscalização. Comunicação Social é coisa séria e vai além do jornalismo. Pois falar para massas exige responsabilidade e qualquer democracia que quer ser levada a sério cria regras para o funcionamento das empresas que atuam no ramo.

A versão original deste texto pedia pela exclusão do artigo que tratava da remuneração dos jornais por entender que era preciso primeiro regular os meios de comunicação. Mudei de ideia por dois fatores:

  1. O texto final vai forçar uma regulação da comunicação no país. Mesmo que seja sem uma lei, vai forçar os meios a se unirem e organizarem o mercado. É possível que os próprios meios exijam uma lei regulatória.
  2. Este PL, no fim das contas, virou um PL da regulação das plataformas no país, muito além das fake news. E faz sentido cobrar das plataformas, nesta lei, sobre a remuneração ao jornalismo.

E por fim, que fique claro: o Brasil deve possuir uma regulação para as redes sociais e buscadores, a desinformação precisa ser combatida e o PL 2630 atende tudo isso. O Brasil precisa sim desta lei e que o governo articule bem na Câmara para não deixar aprovar.

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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