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A cadeirada no debate o entretenimento político

A cadeirada no debate dos candidatos a prefeito de São Paulo uniu o Brasil. Da direita, com bolsonaristas irritados pelo crescimento de Pablo Marçal, à esquerda, naturalmente contrária ao coach, todos fizeram memes sobre a agressão de Datena (PSDB) ao candidato do PRTB. Ressuscitaram até o Vinny na indústria dos memes. Porém, a cadeirada pode ser um símbolo da decadência da cobertura política no Brasil.

Cadeirada no Debate. Imagem: TV Cultura

O problema não está só na baixaria. Baixaria em debates é algo antigo no Brasil. O problema é o entretenimento na política. A política virou um tema que entretém o país e os meios de comunicação estão sucumbindo a ponto de uma cobertura eleitoral parecer um reality show. O eleitor, cada vez mais, se comporta como se estivesse votando em um candidato do Big Brother, mas o foco aqui é a responsabilidade e o que a mídia pode fazer.

Exclui a postagem anterior pq vi esse vídeo do @rafaelcapanema.nucleo.jor.br e achei que colocar "Heloisa mexe a cadeira" na edição dele ia ficar mais dahora do que no vídeo que eu tinha colocado. Ps: @colorlessblue.bsky.social tá aqui novamente.

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— Luka Franca, em SP, vota 50123💚💜 (@lukissima.bsky.social) September 16, 2024 at 1:30 PM

Polarização dá audiência

Primeiramente é importante dizer que, desde a redemocratização, a política brasileira é polarizada entre Lula e PT contra uma força à direita, unida pelo antipetismo ou antilulismo. O campo antilulista já foi collorido, tucano e agora é bolsonarista. Engana-se quem acha que o ódio ao PT é recente. Sempre existiu, porém agravou-se depois que o PT conseguiu chegar de fato ao poder, em 2002.

É fato que o campo antilulista começou a se radicalizar em 2013 e nesta radicalização Bolsonaro emergiu como liderança, mas diversos pesquisadores da comunicação política apontam a importância das redes sociais neste caos que vivemos hoje. As redes sociais querem mais atenção dos usuários, querem eles mais tempo nas plataformas.

Então, o algoritmo seleciona assuntos mais polêmicos, que provocam mais raiva dentro do campo cada usuário. Raiva é o sentimento que retém mais a atenção, resulta em maior engajamento. Assim, as bolhas se formam e o diálogo entre elas fica cada vez mais difícil.

Esta guerra na economia da atenção das redes sociais evidencia que estas plataformas não devem, ou não deveriam, ter o controle do debate público…sobre qualquer assunto. E o jornalismo, que sempre foi fundamental nesta arena, está em crise desde o começo do século. Na procura por dinheiro e por audiência, a mídia prioriza o entretenimento e é aí que o perigo mora.

Jornalismo ou entretenimento?

Esta pergunta eu fiz há dois anos, em um artigo sobre o conteúdo da Rádio Jovem Pan. Questionava se os programas da emissora eram um jornalismo com viés de direita ou programas de entretenimento político, que serviam para divertir as claques, mas sem fomentar em nada o debate público. Colocar três cheerleaders bolsonaristas e um antiBolsonaro para brigarem ao vivo não ajudam no debate, apenas divertem os torcedores.

Neste texto de 2022, questionava sobre a existência do entretenimento político. Até as redes sociais, isso só acontecia no humor, em programas como Casseta & Planeta Urgente. Mas com as bolhas formadas nas redes sociais, a Jovem Pan havia criado um tipo de entretenimento político se lembra muito o entretenimento esportivo, ainda vendido como jornalismo esportivo.

Perceba que os programas esportivos estão mais radicalizados na última década, com comentaristas torcedores que torcem mais que informam ou analisam. Tudo isso com uma pitada de barraco no melhor estilo João Kleber: assim você tem o antigo Fox Sports Rádio ou alguns programas esportivos da Band.

Polêmicas nos debates

Entretenimento político na Jovem Pan

É verdade que debates políticos sempre tiveram polêmicas. Por exemplo, o famoso debate no SBT de 1989, com os bate-boca históricos entre Paulo Maluf e Leonel Brizola. Mas perceba que depois de 1989, os debates começaram a ser mais sérios, com mais regras, menor apelo e claro, menor audiência.

Dos anos 90 até 2012, os debates foram mais civilizados de uma forma geral. Em 2014, já sob influência de Twitter e Facebook, Dilma e Aécio protagonizaram alguns debates mais sujos. Em 2018 entra uma figura nova no debate: uma figura que sempre participava das eleições, mas quase nunca conseguia participar dos debates por que não era mais convidado: o candidato folclórico.

Cabo Daciolo em 2018, Padre Kelmon em 2022 e agora Pablo Marçal em 2024 transformaram seus debates em circo com participações caóticas, ideias mirabolantes e, com exceção de Daciolo, desrespeito aos concorrentes. Daciolo foi uma candidatura por acidente, tinha um ar de inocência. Kelmon e Marçal fizeram o espetáculo com objetivos claros.

A cadeirada no debate da Cultura

Dos três, Marçal é quem tem o plano mais elaborado. Coach influente nas redes sociais, ele entendeu bem que a política virou entretenimento no Brasil. E como se fosse um participante do Big Brother, entendeu que poderia faturar votos se entregasse conteúdo de entretenimento.

Não sei se Datena pensou o mesmo, acredito que tenha sido um ato impensado, mas a verdade é que Datena, especialista em entretenimento policial disfarçado de jornalismo, entregou um conteúdo ainda melhor. Este artigo está sendo publicado antes das pesquisas, mas é possível que ele fature mais com a polêmica que o candidato que levou a cadeirada.

Ainda assim, Marçal é um especialista em viralizar pela internet. Nos cálculos dele, o grotesco, o absurdo, o surreal, não são um problema. É provável que ele vá continuar nessa estratégia nos próximos debates: provocar, irritar, fazer memes ao vivo e roubar toda a atenção do debate para si.

E o jornalismo?

O problema, como disse no início, é que isto NÃO É JORNALISMO. A Joven Pan faz entretenimento político propositalmente. Assim como a Fox Sports com futebol, assim como Band e Record fazem com a temática policial. Mas a Cultura, a Globo, o UOL, todos os promotores de debate, eles não querem fazer entretenimento dos seus debates. Ou querem?

A menos que a intenção dessas emissoras seja audiência por audiência, independente do nível da baixaria, é preciso rever o formato de debates políticos nas coberturas eleitorais. O formato vigente foi corrompido pelo teatro do absurdo de Marçal e sua trupe e se os debates não mudarem, mais candidatos optarão por esse caminho.

O jornalismo precisa repensar não só os debates, mas todo o jornalismo político. É fácil conseguir audiência atualmente falando de política. A pergunta é: que tipo de audiência? Ou a mídia toma o protagonismo de volta, abandona as claques partidárias e pensa numa cobertura sóbria, profissional, para todos os públicos. Ou a próxima eleição pode ser substituída por um Big Brother Presidente do Brasil, com todos os candidatos enjaulados numa casa. O João Kleber seria um ótimo apresentador…

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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