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As mentiras sobre Marielle e a pós-verdade

[:br]Continua a repercutir as notícias falsas a respeito da história da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL). A mídia não apenas desmente as informações que circulam na internet, como problematiza a questão das “fake news”. Espalhar notícias falsas não é novidade na internet, nem na comunicação como um todo e no caso de uma execução de uma liderança política, o problema não é apenas o emissor das mensagens falsas mas também o receptor. É um problema muito mais de “pós-verdade” do que “fake news”.

Utilizado pela primeira vez na década de 90, pós-verdade foi escolhida a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Oxford. Segundo a universidade inglesa, pós-verdade é um substantivo utilizado em situações em que os fatos objetivos não menos importantes na opinião pública que questões emocionais e opiniões pessoais.

Os casos mais famosos envolvendo notícias falsas no mundo atualmente envolvem política: a eleição de Donald Trump e a votação da saída da Inglaterra da União Europeia (Brexit). Sabe-se da participação de empresas na divulgação de notícias falsas e o Facebook está no bancos dos réus acusado de omissão no uso da rede social para difusão dos boatos. Mas a relativização da verdade a partir de opiniões já estabelecidas é peça central da discussão. Em disputas políticas polarizadas como na eleição americana ou no Brasil atual, as pessoas estão cada vez mais militantes e dão credibilidade apenas as notícias que já confirmem sua visão de mundo.

O psicólogo inglês Peter Wason criou o termo viés da confirmação em 1960 para explicar o fenômeno quando uma pessoa, já dotada de uma crença, busca exemplos e fatos apenas para confirmar a sua visão. A busca pelas notícias já será parcial e direcionada para evitar o contraditório.

O viés da confirmação somada as bolhas que as redes sociais na internet criaram resultou neste cenário de pós-verdade que vemos hoje. A vereadora Marielle Franco estava em um dos polos da briga política do país: filiada ao PSOL, defensora dos direitos humanos, crítica das atuações da polícia militar e da intervenção feita pelo governo federal no Rio de Janeiro. Quem está no outro polo, na direita, a favor do militarismo e crítico das entidades defensoras dos direitos humanos, já partia de um pré-conceito contra a vereadora. Qualquer informação que fosse compartilhada contra ela ganha credibilidade para este cidadão. Numa rede social onde está habituado a conviver “entre os seus”, a tendência é que qualquer notícia contra Marielle se espalhe rapidamente.

Este fenômeno não é observado apenas no espectro da direita política brasileira. A esquerda também possui suas bolhas, onde qualquer informação contra lideranças “do outro lado” ganham credibilidade independente da fonte. Tanto direita quanto esquerda possuem páginas na internet para espalhar essas informações, em sua maioria páginas sem autoria, mas já há veículos e jornalistas dispostos a apresentar o nome para informar esses grupos, sem interesse no contraditório e na checagem dos fatos.

É grave o fato de duas das principais notícias falsas contra Marielle terem partidos de um deputado federal e uma desembargadora. São pessoas com cargos públicos que agiram de forma irresponsável. No entanto, as notícias falsas teriam a mesma repercussão se fossem espalhadas por sites apócrifos. Há um público que deseja essas informações para confirmar suas crenças e se há demanda, haverá alguém para atender.

Como combater?

É óbvio que o deputado e a desembargadora precisam se explicar sobre espalhar notícias falsas. É óbvio que precisamos de uma legislação mais rigorosa com quem produz notícias falsas, é preciso combater e fechar os sites apócrifos pois a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal veda o anonimato. Mas isso não impedirá as notícias falsas de se espalharem nas redes sociais, não impedirá sua tia de compartilhar um absurdo no grupo de família. Neste caso, o problema está na recepção.

Pensamento crítico, ensinar as pessoas a questionar as informações que chegam até elas e, principalmente, apresentar os métodos de pesquisa, como ter um raciocínio crítico. Isso tudo deveria fazer parte da educação dos cidadãos. Acabar com a polaridade insana da política brasileira também é um caminho, porém mais difícil. Por onde começar?[:]

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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