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18 de May de 2019

O jornalismo ainda pode pautar a opinião pública

Fazer jornalismo ficou mais difícil, porém não impossível As discussões em torno de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro dominaram o Twitter nesta sexta-feira (17), com a hashtag #impeachmentbolsonaro sendo [ … ]

Fazer jornalismo ficou mais difícil, porém não impossível

As discussões em torno de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro dominaram o Twitter nesta sexta-feira (17), com a hashtag #impeachmentbolsonaro sendo a mais comentada do dia no Twitter, a principal rede social usada por políticos. Porém, não foi uma denúncia específica contra o presidente que fez com que os usuários subissem a hashtag e sim um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo publicado no site da Folha de São Paulo.

Apesar dos primeiros meses do governo serem marcados por polêmicas e pelas investigações contra um dos filhos do presidente ter avançado nas últimas semanas, foi o artigo que fez o assunto ser abertamente discutido nas redes sociais. Outro artigo do mesmo jornalista, em seu blog no mesmo dia, também tornou-se um viral e manteve o assunto na ordem no dia. E a discussão que proponho aqui não é sobre a política partidária brasileira, é sobre o papel do jornalismo nos dias de hoje.

Foi um artigo de um jornalista (e não um digital influencer) publicado em um jornal antigo e conhecido que pautou o Twitter. Ainda no campo político, apoiadores do presidente fizeram na quarta-feira (15), mais uma campanha para o público boicotar o Jornal Nacional naquela noite. Era o dia de grandes protestos contra o governo e todos sabiam que seria esse o assunto principal do jornal. Milhares foram às ruas e os apoiadores do presidente se preocupavam com a repercussão no mais famoso telejornal brasileiro.

Canal direto com a sociedade

Os exemplos envolvendo o presidente do Brasil são simbólicos. Bolsonaro foi eleito com apenas oito segundos na TV no primeiro turno e muitos anunciaram a morte da importância da TV aberta por causa disso. O entendimento era que se o presidente foi eleito sem precisar do horário eleitoral gratuito na TV (foco total em campanhas pelo Whatsapp), as emissoras não tinham mais o poder de antigamente.

Os telejornais brasileiros falaram de Bolsonaro o tempo todo. Positivamente ou negativamente, o atual presidente foi o personagem central da cobertura do noticiário. Antes da eleição, o personagem principal do noticiário na TV era Lula, que liderava as pesquisas.

Pergunto: o marketing eleitoral de Bolsonaro ignorou a TV ou soube usá-lo ao seu favor, criando fatos que tornavam o candidato o assunto principal dos noticiários? Bolsonaro ganhou sem a ajuda da televisão ou ganhou sabendo usar a televisão ao seu favor, mesmo a principal emissora não apoiando sua candidatura?

As redes precisam do jornalismo

No interior dos Estados Unidos, o fechamento de alguns jornais locais fez com que o Facebook perdesse força nessas praças. Por que? Sem o jornalismo local para pautar os assuntos, o povo não conversava, não discutia no Facebook. As redes sociais distribuem conteúdo produzidos por terceiros, como jornais e conteúdos dos usuários.

A premissa que qualquer cidadão pode produzir material não se aplica a uma notícia de qualidade, bem produzida, com alta relevância. O bom jornalismo não possui concorrência com os cidadãos.

Voltando ao caso do começo deste artigo. Bolsonaro sempre foi assunto no Twitter e muitos já falavam em impeachment do presidente. Eis um assunto que sempre e citado em cada escândalo que surge. Porém, foi depois de um artigo jornalístico que o assunto realmente tornou-se tendência. O que Reinaldo Azevedo fez de diferente dos outros que já tinham abordado o tema na internet? Escreveu um texto bem feito e publicou na hora certa, em um jornal com alcance nacional.

Em defesa do bom jornalismo

Não se pode negar que os jornais perderam força com o surgimento de novos atores. A concorrência aumentou e a publicidade diminuiu com a distribuição sob controle de empresas como Google e Facebook, porém, pode-se afirmar que parte da crise do jornalismo tem a ver com a capacidade dos jornalistas de saberem pautar a comunidade, ter relevância nela. E isto deve ser feito fazendo um jornalismo bem feito, bem escrito, publicado na hora certa (ter o feeling).

No livro “A crise no jornalismo tem solução?”, o professor e jornalista Rogério Christofoletti destaca a necessidade de agregar valor ao produto “jornalismo”, pois a informação por si só tornou-se uma commodity.

É preciso, então, “agregar valor” ao produto jornalístico, evangelizam no jargão administrativo. Na verdade, usam-se outras palavras para designar o que antes se referia a fazer bom jornalismo. Reportagem, entrevista, nota ou qualquer produto jornalístico tem valor quando contém exclusividade, originalidade, atualidade, relevância e utilidade. É também um bom produto quando gera prazer na experiência de consumo, adiciona novidades ao conhecimento já acumulado, e quando apresenta uma satisfatória relação custo-benefício.

Saber pautar a comunidade onde atua não vai resolver a crise no jornalismo e nos jornais. A proliferação de produtores de conteúdo com a internet de hoje definitivamente aumenta as dificuldades do jornalismo ser reconhecido nas sociedades. A exigência é muito maior e o profissional precisa estar muito mais qualificado. Porém, é evidente que precisa-se ir muito além de escrever um lead para produzir algo que tenha impacto na sociedade. Para dar meras notícias, qualquer um dá.

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