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O jornalismo ainda pode pautar a opinião pública

Fazer jornalismo ficou mais difícil, porém não impossível

As discussões em torno de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro dominaram o Twitter nesta sexta-feira (17), com a hashtag #impeachmentbolsonaro sendo a mais comentada do dia no Twitter, a principal rede social usada por políticos. Porém, não foi uma denúncia específica contra o presidente que fez com que os usuários subissem a hashtag e sim um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo publicado no site da Folha de São Paulo.

Apesar dos primeiros meses do governo serem marcados por polêmicas e pelas investigações contra um dos filhos do presidente ter avançado nas últimas semanas, foi o artigo que fez o assunto ser abertamente discutido nas redes sociais. Outro artigo do mesmo jornalista, em seu blog no mesmo dia, também tornou-se um viral e manteve o assunto na ordem no dia. E a discussão que proponho aqui não é sobre a política partidária brasileira, é sobre o papel do jornalismo nos dias de hoje.

Foi um artigo de um jornalista (e não um digital influencer) publicado em um jornal antigo e conhecido que pautou o Twitter. Ainda no campo político, apoiadores do presidente fizeram na quarta-feira (15), mais uma campanha para o público boicotar o Jornal Nacional naquela noite. Era o dia de grandes protestos contra o governo e todos sabiam que seria esse o assunto principal do jornal. Milhares foram às ruas e os apoiadores do presidente se preocupavam com a repercussão no mais famoso telejornal brasileiro.

Canal direto com a sociedade

Os exemplos envolvendo o presidente do Brasil são simbólicos. Bolsonaro foi eleito com apenas oito segundos na TV no primeiro turno e muitos anunciaram a morte da importância da TV aberta por causa disso. O entendimento era que se o presidente foi eleito sem precisar do horário eleitoral gratuito na TV (foco total em campanhas pelo Whatsapp), as emissoras não tinham mais o poder de antigamente.

Os telejornais brasileiros falaram de Bolsonaro o tempo todo. Positivamente ou negativamente, o atual presidente foi o personagem central da cobertura do noticiário. Antes da eleição, o personagem principal do noticiário na TV era Lula, que liderava as pesquisas.

Pergunto: o marketing eleitoral de Bolsonaro ignorou a TV ou soube usá-lo ao seu favor, criando fatos que tornavam o candidato o assunto principal dos noticiários? Bolsonaro ganhou sem a ajuda da televisão ou ganhou sabendo usar a televisão ao seu favor, mesmo a principal emissora não apoiando sua candidatura?

As redes precisam do jornalismo

No interior dos Estados Unidos, o fechamento de alguns jornais locais fez com que o Facebook perdesse força nessas praças. Por que? Sem o jornalismo local para pautar os assuntos, o povo não conversava, não discutia no Facebook. As redes sociais distribuem conteúdo produzidos por terceiros, como jornais e conteúdos dos usuários.

A premissa que qualquer cidadão pode produzir material não se aplica a uma notícia de qualidade, bem produzida, com alta relevância. O bom jornalismo não possui concorrência com os cidadãos.

Voltando ao caso do começo deste artigo. Bolsonaro sempre foi assunto no Twitter e muitos já falavam em impeachment do presidente. Eis um assunto que sempre e citado em cada escândalo que surge. Porém, foi depois de um artigo jornalístico que o assunto realmente tornou-se tendência. O que Reinaldo Azevedo fez de diferente dos outros que já tinham abordado o tema na internet? Escreveu um texto bem feito e publicou na hora certa, em um jornal com alcance nacional.

Em defesa do bom jornalismo

Não se pode negar que os jornais perderam força com o surgimento de novos atores. A concorrência aumentou e a publicidade diminuiu com a distribuição sob controle de empresas como Google e Facebook, porém, pode-se afirmar que parte da crise do jornalismo tem a ver com a capacidade dos jornalistas de saberem pautar a comunidade, ter relevância nela. E isto deve ser feito fazendo um jornalismo bem feito, bem escrito, publicado na hora certa (ter o feeling).

No livro “A crise no jornalismo tem solução?”, o professor e jornalista Rogério Christofoletti destaca a necessidade de agregar valor ao produto “jornalismo”, pois a informação por si só tornou-se uma commodity.

É preciso, então, “agregar valor” ao produto jornalístico, evangelizam no jargão administrativo. Na verdade, usam-se outras palavras para designar o que antes se referia a fazer bom jornalismo. Reportagem, entrevista, nota ou qualquer produto jornalístico tem valor quando contém exclusividade, originalidade, atualidade, relevância e utilidade. É também um bom produto quando gera prazer na experiência de consumo, adiciona novidades ao conhecimento já acumulado, e quando apresenta uma satisfatória relação custo-benefício.

Saber pautar a comunidade onde atua não vai resolver a crise no jornalismo e nos jornais. A proliferação de produtores de conteúdo com a internet de hoje definitivamente aumenta as dificuldades do jornalismo ser reconhecido nas sociedades. A exigência é muito maior e o profissional precisa estar muito mais qualificado. Porém, é evidente que precisa-se ir muito além de escrever um lead para produzir algo que tenha impacto na sociedade. Para dar meras notícias, qualquer um dá.

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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