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Jornalismo esportivo nacional na internet é possível?

A disputa acirrada entre Palmeiras e Flamengo no Campeonato Brasileiro abriu espaço para um bom debate sobre o jornalismo esportivo praticado no Brasil. Por causa dos erros de arbitragem em dois jogos envolvendo os líderes do campeonato, o tema bairrismo na imprensa voltou a pauta. Afinal, existe jornalismo esportivo nacional? E acrescento: é possível fazer jornalismo esportivo não regional na internet?

A provocação de Juca Kfouri

Por que esse tema voltou? Porque a torcida do Flamengo passou a acusar os meios de comunicação sediados em São Paulo de bairrismo pró-Palmeiras. Eles acusam jornalistas paulistas de dois pesos e duas medidas na análise de erros de arbitragem – um jogo onde o Palmeiras foi beneficiado e outro onde o Flamengo foi. Alguns jornalistas que torcem para o Flamengo fizeram coro nesta crítica. No fim, o jornalista Juca Kfouri, corintiano, questionou a crítica em um programa no Canal UOL e em seu blog, junto ao mesmo meio.

Que caçadores de cliques façam cortes de tais opiniões, omitindo as referentes ao lance com Fuchs, faz parte do desonesto mundo das redes antissociais
Que jornalistas as atribuam, sem mostrá-las por inteiro, ao fato de virem da “imprensa paulista”, é simplesmente lamentável.
Além de estúpido, burro.
Quem o jornalista carioca rubro-negro prefere campeão: o Vasco ou o Palmeiras?
Quem o jornalista paulista corintiano prefere campeão: o Palmeiras ou o Flamengo?

Juca Kfouri

Para Kfouri, não há bairrismo paulista nos meios de SP porque um jornalista corintiano ou sãopaulino prefere Flamengo campeão ao rival local Palmeiras. Porém, no debate no programa Cartão Vermelho do Canal UOL, o jornalista lembrou de uma crítica de torcedores e jornalistas de outros estados, que a chamada “mídia nacional esportiva” só cobre os times do eixo Rio-São Paulo, deixando praças imporantes de fora, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Ceará.

Kfouri tentou negar esse “bairissmo pró-eixo” afirmando que todo jornal acaba por dar maior preferência pelos times da região onde está sediado. Porém, Rodrigo Mattos, carioca, lembrou que veículos como UOL e Globo se propõe a ser NACIONAIS, fato que não justificaria essa preferência.

Afinal, existe jornalismo esportivo não regional?

Jornalismo Local e a Teoria do Agendamento

O jornalismo local (regional, ou de proximidade) possui como característica a defesa do território onde está sediado. Ele possui uma espécie de licença poética para: defender bandeiras regionais, colocar a sua região como centro do mundo e até mesmo “torcer” para os times da região. Afinal, no jornalismo local, isso não gera conflito ético.

Então tá tudo bem a Zero Hora preferir Grêmio e Inter, o Estado de Minas, Cruzeiro e Atlético, o Diário de Pernambuco, Sport, Náutico e Santa Cruz, assim como O Globo preferir Flamengo, Vasco, a Folha de São Paulo, o chamado “Trio de Ferro” e por aí vaí.

O problema está no que costumamos chamar de “mídia nacional”. O jornal O Globo circula preferencialmente no RJ, apesar de ter assinantes fora. Mas a TV Globo é nacional. Tem afiliadas em todos os estados e sua programação se espalha Brasil afora.A Globo tem (ou tinha) um poder gigantesco de inflenciar o que as pessoas pensam, dizem. É a famosa Teoria do Agendamento. A mídia pode não influenciar na decisão, mas influencia no que as pessoas dizem.

A existência de torcedores dos times de RJ e SP, principalmente do RJ, em vários estados brasileiros, especialmente do Nordeste, Norte e Santa Catarina, é devido a força da mídia no passado. As rádios cariocas transmitiam em cadeia nacional os jogos do Campeonato Carioca nas décadas de 40, 50 e 60, ajudando a criar torcedores em todo o país, especialmente onde os times eram mais fracos.

O sucesso da Fórmula 1 pode e deve ser creditado aos títulos de Piquet, Fitipaldi e Senna. Mas outros esportes também já tiveram campeões e não possuem tantos fãs no Brasil. A Fórmula 1 teve um espaço privilegiado na TV Globo por décadas. Talvez só o futebol teve mais.

O jornalismo esportivo em Santa Catarina

Um exemplo curioso da influência da mídia no esporte vem de Santa Catarina. No fim da década de 90, a RBS (afiliada Globo com origem no RS) passou a transmitir os jogos do Campeonato Catarinense. O grupo gaúcho seguiu a lógica implantada no estado vizinho: priorizou os dois times da capital. Eram nove jogos no turno, 4 do Avaí, 4 do Figueirense e eles passavam um Joinville e Cricíuma para não desequilibrar.

O problema é que, diferente do RS, o interior de Santa Catarina não torce, não quer nem saber dos times de Florianópolis. O resultado: Avaí e Figueirense cresceram, pois passaram a ter muito mais mídia, conseguiram vender melhor os patrocínios em suas camisas. E o interior passou a odiar a cobertura da RBS, com o famoso “AU AU AU, P…. DA CAPITAL”, ecoado pelas torcidas dos outros times.

As redes sociais no jornalismo esportivo

Essa crítica de cobertura tendenciosa que privilegia times onde a mídia está sediada também ocorria e ainda ocorre em nível nacional. As críticas recaem muito sobre Globo e do UOL, uma empresa digital sediada em São Paulo, mas que busca ser nacional em sua cobertura.

Em vários temas, o UOL faz jornalismo nacional. Mas no esporte….O canal no YouTube possui lives para os quatro grandes times de São Paulo e para o Flamengo. E times como Cruzeiro (3 colocado no Brasileiro e semifinalista da Copa do Brasil) e Grêmio (sexta maior torcida do Brasil, vice campeão brasileiro em 2023) ganham pouco espaço.

Eu poderia gastar muitos outros parágrafos para citar como a cobertura esportiva do UOL não segue critérios claros, apenas bairrismo para o eixo Rio-SP. Mas o problema é que o UOL, diferente da Globo, é somente digital. E na internet, a tal teoria do agendamento funciona diferente. E é por isso que eu pergunto: é possível fazer jornalismo nacional na internet?

Quando a Globo, na década de 90, priorizava Flamengo e Corinthians em sua cobertura, na transmissão de jogos, o torcedor do Grêmio que mora no Centro-Oeste (sim, está cheio devido a colonização gaúcha por lá) só restava lamentar. Hoje, ele assiste lives do Grêmio, acompanha o que a Gaúcha ZH fala dos times gaúchos e assiste os jogos do seu time pelo Premiere (ou link pirata).

As redes sociais reconfiguraram o agendamento da mídia. A comunicação de massas foi substituída por uma comunicação personalizada, algorímitica. Os jornais e a TV perderam o monopólio da emissão, do agendamento de temas. Se o UOL transformar o Posse de Bola, seu carro-chefe para o esporte no YouTube, em um programa verdadeiramente nacional, haverá audiência?

Afinal, a imprensa esportiva não pauta mais como antigamente. Os influencers de clubes, talvez, tenham um poder maior. E para um grande meio de comunicação que atua somente no digital, o caminho parece ser competir com esses outros atores. As lives dos clubes mostram isso

O jornalismo esportivo está no divã

Se já está difícil fazer jornalismo político com uma sociedade cada vez mais polarizada e sectária, que prefere conteúdo parcial dos seus influencers do que uma discussão aberta com outras tribos, imagina no esporte, no futebol, onde a paixão é a regra? Será que o fã de futebol vai assistir uma matéria, um debate sobre o time que não é nem o seu, nem o seu rival?

Faça um teste: procure no YouTube sobre canais especializados no time do seu coração. Dezenas, centenas. A maioria feita por torcedores que sabem fazer comunicação, mas não fazem jornalista. Boa parte deles com um conteúdo ufanista, desinformador, bom para caçar-cliques. Há quem diga que o jornalismo esportivo é algo cada vez mais raro, no Brasil e no mundo.

Talvez seja. Mas uma coisa é mais fácil afirmar. Jornalismo esportivo nacional está cada vez mais raro. E com a lógica da internet privilegiando nichos e bolhas, a tendência é só piorar. O UOL Esporte poderia até fazer uma cobertura nacional. Mas deve estar mais preocupado hoje em manter os torcedores dos times paulistas e do Flamengo. Antes que eles debandem todos para os canais de torcedores.

Globo, UOL, todos aqueles que querem ser nacionais, deveriam ter dado mais espaço para o resto do Brasil em suas coberturas esportivas. Deveriam. Agora, talvez, seja tarde demais.

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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