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Portugal avança com jornalismo para brasileiros

A mídia portuguesa está de olho na gente, fazendo mais jornalismo para brasileiros. Um dos principais jornais de Portugal decidiu criar um espaço no seu site cujo público-alvo são os brasileiros que moram no país. O Público Brasil, lançado nesta semana, não foi o primeiro. Em julho, o Diário de Notícias havia lançado do DN Brasil com objetivos semelhantes. Estas ações levantam dois temas: o papel da mídia no intercâmbio cultural e as supostas barreiras das diferenças entre o português brasileiro e o europeu.

Quem faz jornalismo para brasileiros

Primeiramente, é preciso ressaltar que o Público já estava de olho no Brasil antes de criar a nova página na internet. Parcerias com jornais como a Folha de São Paulo e eventos portugueses em solo BR eram comuns. Mas com o objetivo que ser referência para a comunidade brasileira por aqui, o Público Brasil investiu pesado: contratou seis jornalistas brasileiros que já residiam no país, todos com muita experiência.

Página inicial do Público Brasil, iniciativa de jornalismo para brasileiros

A nova página contém notícias sobre os brasileiros em Portugal, questões de imigração, sobre movimentos da economia que afetam os dois países, e o principal deles, serviços. A seção “Como Fazer” traz informações como guia da educação em Portugal, como acessar serviços de saúde, questões de impostos, etc.

Lançado em Julho, o DN Brasil também foca em serviços para a comunidade brasileira. As seções “Guia do Imigrante”, “Pergunte ao Advogado” explicitam isso. Os textos também estão em PT-BR.

Intercâmbio cultural por meio da mídia

A maioria dos jornalistas brasileiros residentes em Portugal já deve ter pensado em fazer um produto jornalístico voltado ao público BR. O autor deste blog chegou a ensaiar o podcast “Tás a Ouvir”, uma brincadeira com a expressão clássica local “Tás a Ver”. O podcast seria focado em serviços e agenda cultural, mas nunca saiu do papel.

A mídia brasileira até sondou o mercado daqui com iniciativas do MyNews e da Folha de São Paulo, tópico comentado aqui neste blog em 2021. Mas assim como o Tás a Ouvir, essas ações também não foram adiante. A mídia portuguesa agiu diferente e colocou os projetos na rua, ou melhor, na internet.

Mas por que fazer um jornalismo para brasileiros? Porque não apenas há um nicho de mercado, uma audiência a espera de um meio, mas porque quem imigra consegue entender o papel importante da mídia no intercâmbio cultural. Os portugueses sabem tudo do Brasil: eles conhecem nossa música, nossas novelas, nossa indústria cultural como um todo.

E o que o brasileiros sabem de Portugal? Uma dica para quem mora no BR e chegou aqui por acaso: os portugueses não falam “ora pois”. Aliás, em oito anos nessas terras, nunca ouvi isso de um local. O jornalismo possui um papel importante neste intercâmbio cultural. As informações, serviços, as histórias contadas, tudo isso contribui para os brasileiros entenderem melhor como funciona este país. Afinal, estamos falando de jornais portugueses, mesmo sendo páginas sobre o Brasil, também terão audiência local.

Barreiras do idioma

Antes de tudo, é preciso informar que o Público é um jornal que decidiu não seguir as regras do novo acordo ortográfico (AO90). É o único grande meio de comunicação do país a adotar esta posição. A página Público Brasil, obviamente, utiliza o português brasileiro pós AO90. Já o Diário de Notícias logo adotou o acordo ortográfico.

As diferenças entre o português brasileiro e o europeu já foram motivo de debates acalorados e muita polêmica no país. O caso famoso mais recente foi da influência do youtuber brasileiro Lucas Neto, que teria resultado em crianças portuguesas usando vocabulário do Brasil. As variações da língua portuguesa existem, não se limitam ao vocabulário e são utilizadas como armas por xenófobos e defensores de reservas de mercado.

Mas apesar de todas essas polêmicas, as variações da língua portuguesa não são uma real barreira para o intercâmbio cultural. Pelo contrário, as variações mostram a riqueza deste idioma. A maior dificuldade de um brasileiro ao chegar por aqui está no sotaque português e não no vocabulário. Chamar grama ou relva, banheiro ou casa de banho, suco ou sumo, pouco ou nada atrapalha a comunicação.

O Público nunca perdeu audiência por manter a escrita no idioma anterior ao AO90. E agora coloca uma página inteira em PT-BR e não há problema nenhum nessa variação. A Mensagem de Lisboa, jornal digital local da capital, publica alguns artigos em crioulo de base portuguesa, isto é, uma mistura do PT com idiomas de povos africanos.

Jornalismo para brasileiros contra a xenofobia

Portanto, são bem-vindas as iniciativas do Público e DN em criar espaços para falar com brasileiros usando o PT-BR. O Público já tinha colocado uma jovem brasileira para fazer vídeos no Instagram durante as eleições brasileiras em 2022. E ela continuou depois, falando sobre assuntos de Portugal, com o seu sotaque.

Sim, a xenofobia existe em Portugal, como existe no Brasil e internamente entre estados e em todo o mundo. A xenofobia é uma consequência quase natural de uma globalização desenfreada que prejudica os mais pobres no mundo inteiro. Colocar a culpa no outro é sempre mais fácil. Mas a melhor maneira de combater isso é com mais intercâmbio, mais variações do idioma, mais miscigenação cultural. E o jornalismo pode fazer muito.

Para concluir, um recado para jovens jornalistas portugueses. Há xenofobia no Brasil sim, mas a recepção de sotaques e vocabulários diferentes é mais bem recebida, até mesmo pela variedade interna dentro do Brasil. Portanto, ao fazerem canais no YouTube, fiquem de olho no público BR. Se o assunto interessar no outro lado do atlântico, vai ter gente “a acompanhar”. E pode ser muita gente…

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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