O jornalismo português é notícia…no jornalismo português. Os funcionários do Global Media Group (GMG), um dos maiores grupos de comunicação do país, entraram em greve pela segunda vez em poucos meses. Os motivos são a possível demissão de 150 funcionários e o atraso de salários e do 13º, chamado aqui em subsídio de natal.
Quem lê este artigo no Brasil deve estranhar. Como assim, greve de jornalistas? Sim, isso existe e já aconteceu no Brasil, como a greve do Jornal de Santa Catarina em 1990. Mas a verdade é que a crise do jornalismo demorou, mas chegou a Portugal. E vai ficar, porque não se trata de uma crise e sim de uma transformação, de algo permanente.
Portugal é um dos países que com maior confiança na imprensa segundo dados do Digital News Report. Nos anos 90, foi um dos países que mais se lia jornais impressos. E mais, o país possui uma comunicação social regulada e uma tradição de valorização do jornalismo. Isso tudo pode ter atrasado a crise (ou transformação), mas a conta, uma hora ela chega.
Apesar de ser um dos maiores grupos do país, a Global Media não possui o tamanho que a Editora Abril teve até os anos 90 no Brasil. Ainda assim, é possível fazer um paralelo. Grupos de comunicação com atuação em diversas mídias, extremamente influente na sociedade, que começa a se desmanchar em praça pública. Demissões, ameaça de fechamento de títulos e nenhuma luz no fim do túnel.
O Grupo Abril continua a existir, mas foi vendido por R$ 100 mil há uns anos. A Revista Veja, que imprimia 1 milhão de exemplares nos anos 90, hoje é quase irrelevante no jornalismo brasileiro. A Global Media detém os tradicionais jornais Diário de Notícias (DN) de Lisboa e Jornal de Notícias (JN) do Porto. A obviedade dos nomes entrega a idade das publicações: 160 e 136 anos, respectivamente. No entanto, o Diário passou por outras crises recentemente e chegou a parar de circular diariamente na versão impressa.
A Global Media ainda possui a poderosa TSF, além de revistas e títulos regionais. Todo o grupo está ameaçado com a crise financeira. Porém, diferente do Brasil, os profissionais estão lutando para que os títulos continuem a existir. Mas fica a pergunta: é possível salvar todo o jornalismo do grupo?
Conforme dito antes, diferente do Brasil, onde os grandes grupos midiáticos agonizam em praça pública com a indiferença da sociedade, a crise na Global Media é assunto no país. A categoria está unida em defesa dos profissionais, os outros meios de comunicação acompanham o caso com o rigor e o distanciamento necessário.
Porém, o ponto mais interessante é a regulação da mídia. A Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) exige que todos os meios de comunicação sejam devidamente cadastrados e precisam informar e publicizar quem são os donos. Se houver um acionista que não se identifique, o direito de voto deste acionista pode ser suspenso pela entidade.
O jornal Público esclareceu as regras sobre o assunto em uma "O Pulsar da Proximidade nos Media e no Jornalismo". Isto porque ninguém sabe exatamente quem está por trás do World Opportunity Fund, fundo com sede nas Bahamas que é o acionista majoritário da Global Media. Para piorar, o grupo informou nesta quinta-feira, 18 de janeiro, que só irá pagar os salários quando a ação na ERC sobre a propriedade do meio for concluída.
Como em toda crise envolvendo a mídia, os modelos de negócios dos meios de comunicação estão no centro desta transformação do jornalismo português. Se na mídia nacional e especializada, um grupo como a Global Media está com dificuldades de pagar salários, nos meios regionais, o cenário é desolador.
A maioria dos jornais regionais vive de publicidades na edição impressa, uma receita que cai todos os anos e uma reversão do cenário está descartada. Com os leitores, o mesmo cenário. O número de assinantes e vendas em banca cai todos os anos, sem perspectivas de mudança. Menos receitas é igual a menos jornalistas trabalhando, menor qualidade do produto.
O jornalismo em papel continuará em declínio até se tornar um nicho muito delimitado, com produtos premium voltados para quem sente o prazer na leitura. As pessoas compravam jornal em papel no passado porque eram obrigadas, já que era a única fonte de informação. A maioria não gosta de ler e para esses, um jornal em papel hoje é dispensável.
Mas o problema dos regionais portugueses é que a maioria não conseguiu fazer a transição para o digital. Em 2024, a maioria deles até possui um site, redes sociais, etc. Mas não consegue obter receitas por esses canais digitais. E os diretores temem apostar colocar seus recursos humanos neste formato, deixando em segundo plano aquele que ainda é a sua fonte de receita.
Se no Brasil, o Atlas da Notícia aponta uma redução dos desertos de notícias nos últimos anos, com o surgimento de novos projetos digitais, muitos com qualidade editorial duvidosa, Portugal pode apostar num caminho diferente para atravessar a tempestade. Através da regulação da mídia e do Estado, para evitar um cenário parecido com o brasileiro em 2015, 2016…
Por exemplo, além dos esforços da União Europeia em regular e taxar as grandes plataformas digitais para beneficiar o jornalismo, Portugal discute ações mais efetivas do Estado para preservar o jornalismo. Programas para incentivar assinaturas, publicidade do governo mais bem distribuída e bolsas para financiar reportagens jornalísticas de forma independente estão na pauta.
A sociedade civil portuguesa, corretamente, prioriza a preservação do jornalismo e dos postos de trabalhos dos jornalistas, em detrimento dos próprios meios de comunicação. Ter profissionais atuando, com ética e responsabilidade, é bom para a categoria e para a sociedade, independente de onde trabalharem.
Porém, os meios de comunicação são fundamentais. Falamos de marcas que também estão associadas a credibilidade. E se os modelos de negócios tradicionais dos jornais não funcionam mais, podemos rever isso a partir da propriedade dos meios. Mas isto é assunto para o próximo artigo…
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