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O jornalismo como agente da democracia

As crises que as democracias vivem nos últimos anos, com o surgimento de políticos e partidos contra o establishment político colocaram o a importância do jornalismo novamente em evidência. O posicionamento da imprensa na sociedade, de observador e fiscalizador, vem sendo questionado diante da avalanche de movimentos populistas e autoritários, rescendendo a discussão sobre um jornalismo mais ativo no processo democrático. O jornalismo cívico, também chamado de jornalismo público, é apontado como uma ferramenta importante para o período de instabilidade que vivemos.

A escola de jornalismo cívico, iniciada no fim dos anos 80 nos Estados Unidos, foi conceituada e debatida no livro Jornalismo Cívico (Livros Horizonte, 2003) que tem os professores Nelson Traquina e Mário Mesquita como organizadores. A obra traz oito artigos sobre a escola jornalística, dois conceituais e seis de debate sobre antecedentes, caraterísticas e experiências do formato.

No texto de abertura, o jornalista e professor Nelson Traquina aborda os cenários da política e da mídia americana nos final dos anos 80 e início dos anos 90, período em que surgem os primeiros movimentos do jornalismo cívico. Citando o jornalista norte-americano Davis Merritt, Traquina explica que o jornalismo americano passou por uma onda de denuncismo após o escândalo de Watergate dos anos 70 e a enxurrada de notícias ruins levou a um descrédito da população não apenas com os políticos, mas com toda a vida pública. Esse cenário permitiu que surgisse um novo movimento, que colocasse o papel do jornalista não apenas como um “cão de guarda” da democracia, mas de um agente que fizesse a conexão do poder público com os cidadãos, incentivando a democracia participativa.

Merrit foi o editor do jornal Wichita Eagle, lançado em 1990 e que segundo Traquina, utilizou-se de pesquisas de opinião para saber quais os assuntos a população mais se preocupava no âmbito público para a partir daí, definir a linha editorial da cobertura das eleições, deixando de lado as brigas diretas dos candidatos.

Também organizador do livro, Mário Mesquita mostra como o jornalismo cívico é alinhado com a filosofia “comunitarista”. A proposta de um jornalista não ser apenas um observador, mas um participante da sociedade surge em um país com tradição em participação popular, principalmente em decisões a respeito de questões locais, apesar de os defensores do “public journalism” argumentarem que essa tradição vem sendo perdida nos Estados Unidos e o jornalismo viria justamente para ajudar a recuperar.

Um dos professores americanos que mais defendem essa escola, Jay Rosen assina dois textos selecionados na obra:   “Tornar a vida pública mais pública” (tradução de José João da Silva Costa) e “Para além da objetividade” (tradução de Victor Flores). O primeiro aborda os aspectos sociais da vida comunitarista e a relação que os jornalistas devem ter com a sociedade. O segundo trata de uma das principais características do jornalismo convencional que é a linguagem objetiva. Assim como os teóricos do “novo jornalismo”, Rosen questiona o mito da objetividade e sua eficiência para a imprensa imparcial: “a objetividade enquanto teoria sobre como se chega a verdade está intelectualmente esgotada”, afirma.

As filosofias e conceitos de sociedade pensadas por filósofos no século XX como uma base para o surgimento do jornalismo cívido é o tema do artigo da jornalista e professora norte-americana Renita Coleman (tradução de José João da Silva Costa). A partir de pensadores como John Dewey e Jürgen Habermas, a autora busca elencar os antecedentes para o surgimento da escola jornalística.

O último artigo do livro é um contraponto aos defensores do jornalismo cívico. O jornalista norte-americano William E. Jackson Junior (tradução de José João da Silva Costa) critica a prática a partir do que viu nas eleições de 1996 no Carolina do Norte, Estados Unidos. O autor faz a principal contra argumentação do chamado “public journalism”: o risco de dar poderes excessivos a mídia na organização dos temas mais importantes para a cobertura de um processo eleitora.

O jornalista conta que viu do Charlotte Observer, maior jornal do Estado e defensor do jornalismo cívico, deixar de lado assuntos como uma denúncia contra um dos candidatos ao Senado por não entrar dentro dos temas definidos com a comunidade. A campanha do Charlotte Observer para o período eleitoral “Your Voice, Your Vote” teria sido desmontada pelos partidos políticos, que descobriam através de pesquisas, o que o povo mais queria falar e com isso, restringia as campanhas a isso. “Os imperativos de Your Voice, Your Vote restringiram a cobertura e encorajaram os candidatos a lidar com a situação dizendo aos eleitores aquilo que eles queriam ouvir. Houve pouco incentivo a que lhes falassem de coisas por que eles não pareciam interessar-se tanto (e por consequência a imprensa não se interessava tanto”, afirma o jornalista.

O contraponto do último artigo serve como um alerta nas discussões sobre como fazer um jornalismo cívico nos dias de hoje, com a internet permitindo maior interatividade com os cidadãos, sem ser ingênuo quanto a reação das elites política e econômica quanto a manipulação da opinião pública, seja se preparando para mudar o foco diretamente om os cidadãos ou via abuso do poder frente aos donos de jornais. Um jornalismo cívico de verdade precisa ser independente, uma busca quase inalcançável no jornalismo dos dias de hoje.

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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