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O mundo se reorganiza ideologicamente. Menos o Brasil que entrou agora numa “guerra fria”

FOTO: Matt A.J.

Explicar a conjuntura política internacional nos últimos anos está cada vez mais difícil. A complexidade do tema tornou-se ainda mais profunda depois da crise mundial de 2008 e os recentes resultados eleitorais em diversos países fazem com que aquele organograma de ideologias políticas que aprendemos no Ensino Médio fique ultrapassado.

Começamos pelos Estados Unidos. O país do capitalismo, o líder mundial do processo de globalização elegeu um presidente dito ultraconservador republicado. Até aí, a ideia que temos é de um novo Ronald Reagan, responsável pela desregulação dos mercados na década de 80. Mas o empresário Donald Trump possui ideias muito diferentes: pregou contra a globalização nas eleições, defende políticas protecionistas exageradas e suas primeiras ações como presidente foi tirar os Estados Unidos do acordo comercial do TransPacífico e agora quer rever o NAFTA, o acordo de live comércio da América do Norte, com Canadá e México.

Vamos a Europa, aonde também cresce uma “direita extremista” por aqui. A Frente Nacional da França, o Partido da Liberdade dos Países Baixos, Alternativa para a Alemanha e o UKIP do Reino Unido têm em comum o nacionalismo, a crítica a globalização, a defesa de adoção de medidas contra o live comércio mundial, a adoção de moedas próprias e o populismo.

É estranho, no primeiro momento, vermos uma direita agindo contra o livre comércio. Mas é isso mesmo que estamos vendo. E outros fatos devem ser acrescentados: Marine Le Pen, líder da FN na França, apoiou a elogiou o governo dito de extrema-esquerda na Grécia do SYRIZA, quando o primeiro ministro grego decidiu enfrentar o FMI e a União Europeia fazendo um plebiscito para saber se a população apoiava pagar a dívida externa que o país possuía. Sim, uma líder de direita elogiando uma ação que em terras brasileiras era pregada principalmente pelo PSTU (Não a Alca, a dívida e o FMI, quem lembra desse lema?).

E a direita tradicional europeia? Na poderosa Alemanha, governa de mãos dadas com a centro-esquerda. A CDU de Angela Merkel governa JUNTO com o SPD, tendo o líder social democrata Sigmar Gabriel como vice-chanceler.  A mesma Merkel que é aliada de primeira hora de François Hollande, o presidente da França eleito pelo Partido Socialista, também de centro-esquerda.

O que está acontecendo, então, na Europa? A centro-direita e a centro-esquerda andam tão parecidas que chegou ao ponto de se unirem oficialmente na Alemanha. Hollande, na França, trabalha na reforma das leis trabalhistas, Merkel governa com uma grande de proteção social, ou seja, os dois se encaminham para o CENTRO, com uma política social-liberal, capitalista que não abre mão dos direitos sociais. Um centro internacionalista, europeísta e liberal nos costumes.

Esse movimento já ocorria há alguns anos na centro-direita e centro-esquerda europeia, mas a crise de 2008 mudou o jogo. Esse centrismo passou a ser questionado pela população, que exige resultados de seus governos. Abriu-se, então, espaços para novos atores políticos: a direita nacionalista cresceu muito e a esquerda mais radical começa a dar seus passos, inicialmente na Grécia e agora dentro dos partidos de centro-esquerda. O PS francês pode lançar para presidente esse ano, um crítico do próprio governo que eles detém. E o líder do partido trabalhista inglês é também um sujeito que sempre foi rejeitado pela cúpula partidária.

Na Espanha e em Portugal, a direita nacionalista ainda não ganhou corpo por razões específicas. Em Portugal, a centro-esquerda precisou dos partidos ditos mais extremistas para voltar ao poder. Na Espanha, há dois movimentos horizontais, de centro (Ciudananos) e esqueda (Podemos) que embaralhou todo o cenário político.

A Itália já possui um partido no poder que é de “extremo-centro”. O Partido Democrático (PD) já é a junção da centro-direita e centro-esquerda. Seus principais adversários são a direita extremista do Berlusconi e o “anti-tudo” Movimento Cinco Estrelas, mas que também tem posições nacionalistas.

Ou seja, na Europa a polaridade direita-esquerda continua existindo, mas deixa de ser o eixo principal para dar lugar a dualidade nacionalistas extremistas x centristas europeístas. O que separa a extrema-direita e a extrema-esquerda é a visão sobre os refugiados, pois a crítica ao comércio global é praticamente a mesma. Se bem que Jeremy Corbyn, o líder do trabalhismo inglês, vem sendo acusado de não lutar contra o Brexit.

E o Brasil?

Bom, o Brasil também está entrando em uma nova fase. Uma fase que o resto do mundo ocidental passou nos anos 50, 60, 70 e 80, a guerra fria. A crise política e a falência do discurso dos rivais PT e PSDB somada a todo o fisiologismo do PMDB fez com que nascesse no Brasil uma direita anos 80 no país. Preocupada em combater um regime político que sumiu do mapa em 1989, essa nova direita evoca um conservadorismo de Reagan, mas sem conseguir compreender o que ocorre no mundo hoje.

Essa nova direita paranoica apoia Trump chamando Hillary Clinton de esquerda, sem conseguir enxergar que as ideias de Trump para a economia são mais parecidas com as do PT, enquanto o PSDB se espelha mais no modelo de Clinton. É uma direita que olha para o bilionário capitalista George Soros como um “esquerdista” só porque ele usa seu dinheiro para combater o novo governo Trump (uma obviedade, visto que o bilionário sempre lucrou com o livre comércio mundial).

Se essa direita (que acha que a Globo é socialista) cresce e ameaça o monópolio eleitoral do PSDB, o lado da esquerda também não anda muito bom. Apeada do poder no ano passado, a esquerda tupiniquim está rachada e numa crise existencial. De um lado o PT, um socialdemocrata em crise que tenta se recuperar sem autocrítica, achando que o povo tem a obrigação de votar em Lula em 2018 pelos feitos ocorridos há uma década. O partido conta com uma militância que possui uma ala ultrarradical que enxerga somente nela a salvação para o país (fui bloqueado por um fake famoso deles, aliás). Do outro o PSOL, um partido acadêmico, com ideias novas, mas ainda muito longe daqueles que eles afirmavam mais defender.

Ou seja, o cenário político brasileiro é incerto e nada parecido com as movimentações que ocorrem pelo mundo, a não ser pelo crescimento do populismo, comum em qualquer república durante tempos de crise…

 

Giovanni Ramos

Jornalista, consultor de comunicação, investigador de media regionais.

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