The Jornal de Santa Catarina completa nesta quarta-feira (22) 50 anos de história. A publicação com sede em Blumenau atua hoje praticamente no meio digital, com uma edição impressa semanal compartilhada com outros dois jornais do mesmo grupo proprietário. O jornal é um bom caso para discutir as relações do jornalismo com as suas comunidades. Afinal, o que é jornalismo regional?
Fundado em 1971 como jornal estadual, o Santa, como é conhecido o periódico, passou a ser regional nos anos 90, quando a empresa foi comprada pelo Grupo RBS, que já possuía um jornal de circulação estadual. A ideia dos novos donos era um jornal com forte cobertura no Vale do Itajaí, a região mais populosa e rica de Santa Catarina, com 32 municípios.
Só que isso nunca ocorreu de fato. Primeiro que o Vale do Itajaí possui outros dois centros importantes: Brusque e Itajaí/Balneário Camború. Brusque tem o jornal O Município e Itajaí possui o Diário do Litoral, além de outras publicações menores.
Nos anos 2000 o jornal passou a ter um foco mais claro no Médio e Alto Vale do Itajaí, principalmente no Médio Vale, isto é, a região em torno de Blumenau. O Santa chegou a contratar jornalista que morava em um município vizinho para ser a “correspondente regional”, trazendo notícias das outras cidades.
Nem mesmo a ideia de focar na região em torno de Blumenau deu muito certo. O jornal continuava essencialmente um diário blumenauense, com a maioria das notícias da cidade sede e muitas das manchetes sobre coisas que interessavam o cidadão blumenuanese, mas de pouca importância para quem morava do lado.
Em 2005 foi criada a Folha de Blumenau, mais uma tentativa de um jornal para fazer concorrência ao Santa. A publicação começou semanal, chegou a ser trissemanal, mas nunca ameaçou de fato a liderança do Santa. Porém, empurrou o diário para ser ainda mais local e menos regional.
Anos depois, a vaga de repórter correspondente do Médio Vale foi eliminada e o Santa foi tornando-se cada vez mais um diário local. A crise no Grupo RBS fez a publicação perder fôlego, dinheiro e recursos humanos. Por fim, em 2016, a RBS vendeu toda sua operação em Santa Catarina para o Grupo NC. Em 2019, os três jornais do grupo, Santa, Diário Catarinense e A Notícia, pararam de circular. A prioridade passou a ser o portal NSC Total e uma edição conjunta no fim de semana dos três jornais, cada um com seu nome, mas com conteúdo igual.
Uma das razões, talvez a principal, pelo fato do Santa nunca ter se estabelecido como regional nas cidades nos arredores de Blumenau (366 mil hab) é a força da imprensa local nestes municípios. Cidades com 20, 40, 60 mil habiantes possuem publicações tradicionais, apesar de toda a crise que a mídia passa neste século.
O leitor de Gaspar (71 mil hab), por exemplo, tem a disposição o bissemanário Jornal Metas e o semanário Cruzeiro do Vale, ambos com edição digital, que falam sobre o dia-dia da cidade e ainda pincelam alguma coisa regional, estadual e nacional. Eles não precisam do Santa. O mesmo em Pomerode (34 mil hab), com o bissemanário Jornal de Pomerode e o semanário Testo Notícias.
Os conceitos de jornalismo local, regional e de proximidade são quase iguais. Em alguns países, o termo regional sequer existe, e tudo é chamado de jornalismo local. No Brasil e em Portugal utiliza-se uma régua geográfica para distinção: local fecha-se num município enquanto o regional abrange uma região maior. Por fim, o termo proximidade passou a ser usado com mais frequência no século XXI pelo fato da internet quebrar algumas barreiras físicas para este tipo de jornalismo.
Sendo local, regional ou de proximidade, este tipo de jornalismo caracteriza-se pela proximidade com suas audiências. É um jornal mais próximo do leitor, que não apenas noticia as coisas que estão mais perto dele, mas uma publicação que vive a comunidade no qual está inserida. O conceito do que é notícia, do que é interesse público, é diferente de um jornal de circulação estadual/nacional.
O jornalismo de proximidade exige que não apenas o meio, mas os jornalistas que nele trabalham vivam a cidade onde atuam. Conheçam as pessoas, participem das atividades coletivas, entendam o estilo de vida dos cidadãos. Dito isso, pergunta-se: como fazer isso com uma abrangência regional?
O Santa ficou em um dilema: se falasse demais de Blumenau, perdia a região, se falasse de forma mais ampla, poderia perder a cidade sede. Optou pelo primeiro, virando cada vez mais um diário blumenauense. O problema é que o discurso regional impedia que o Santa fosse afundo no dia-dia de Blumenau, impedia que se aproximasse ainda mais dos blumenauenses.
Uma jornalista e pesquisadora local me contava que o fechamento da edição diária impressa do Santa fortaleceu ainda mais outros meios de comunicação local, inclusive em Blumenau. Meios ainda mais próximos dos seus leitores, que não precisam fazer o discurso regional. Uma dessas publicações é o Município Blumenau, uma versão local de O Município, de Brusque.
A saída encontrada pela empresa brusquense deve ser observada. O Município atua hoje em Brusque, Blumenau e Joinville, cada um com um portal de notícias separado, cada um com sua redação. Afinal, eles sabiam que haveria resistências se eles tivessem tentado entrar em Blumenau e Joinville sem esta distinção.
A ausência de um diário impresso em uma cidade com 366 mil habitantes é algo um tanto assustador, que já comentei here (only in Portuguese). Mas o surgimento de novos projetos digitais em Blumenau e a manutenção das publicações no entorno, apesar da crise, mostra um caminho claro para o jornalismo regional no Vale: pequenos negócios e não um monopólio regional.
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