A Revista Piauí é dona do seu próprio nariz. É um bom slogan, certo? Desde 2021, a Revista Piauí possui um modelo de negócios fora do formato tradicional, que garante uma sustentabilidade financeira que poucas publicações no mundo conseguem ter. Mas afinal, independência financeira garante independência no conteúdo? O que é independência?
Desde a sexta-feira, 27 de outubro, a publicação vem sendo atacada nas redes sociais, com uma suposta onda de cancelamentos de assinaturas. O motivo? A demissão da jornalista Thais Bilenky, repórter da revista e participante do podcast Foro de Teresina, sua maior vitrine digital. Demitir a jornalista que está em alta com o sucesso do podcast Alexandre (sobre a vida do ministro do STF) é uma má ideia. Mas a Piauí conseguiu ir além.
O jornalista José Roberto de Toledo, outro participante do Foro de Teresina, decidiu se demitir em solidariedade da colega demitida. Até aí, um caso incomum no jornalismo, mas não raro. O problema é que a revista cortou o trecho da fala de Toledo, onde ele anuncia que vai sair por não concordar com a decisão da diretoria. Censura? Claramente.
Indignado com a censura, Toledo publicou o trecho censurado em uma conta pessoal do YouTube. Assim, ele escancarou que a Piauí não apenas censurou um jornalista da casa, mas também fez de uma forma bastante tosca, pois ficou fácil perceber o corte na fala do jornalista.
Mas afinal, qual o tamanho do problema em censurar a fala de Toledo? Ela não seria algo simples? Pois é sim. Trata-se de uma fala simples, sem ofensas, sem críticas diretas à revista, apenas uma manifestação de discordância e solidariedade. Porém, há um precedente que se abre aqui: ora, se a revista censura algo simples apenas porque o jornalista foi contra uma decisão da revista, o que mais eles podem virar a censurar?
Apesar de todas as transformações ocorridas no jornalismo no século XXI, a credibilidade continua a ser a coisa mais importante, o bem mais valioso de uma publicação. Por causa de um problema interno, a Revista Piauí colocou sua credibilidade em risco. Fica a pergunta: vale a pena?
A Revista Piauí foi criada em 2007 pelo documentarista João Moreira Salles, um dos herdeiros do Unibanco e até 2022 acionista do hoje Itaú Unibanco. A americana New Yorker serviu de inspiração para Salles, que criou uma revista apostando no jornalismo literário, em grandes reportagens impressas em um momento em que o jornalismo online decolava no Brasil.
De fato, lucrar nunca foi o objetivo de Salles com a Piauí. Mas em 2021, Salles foi além: ele ajudou na criação do Instituto Artigo 220, uma instituição sem fins lucrativos para promover o jornalismo, e transferiu a Editora Alvinegra, que publicava a revista, para este instituto.
Depois disso, Salles doou R$ 350 milhões para o Artigo 220. Segundo os jornalistas do Foro de Teresina em um episódio em 2021, os rendimentos mensais oriundos desses 350 milhões aplicados eram quase suficientes para bancar a redação. A ideia era apostar em um grande número de assinaturas para completar os valores, assim, a revista ficava INDEPENDENTE da publicidade. Poderia até ter, mas não precisaria dela para se sustentar.
A Piauí apresentou seu plano ousado na edição de novembro de 2021, em um artigo chamado “Dona do próprio nariz“. Trata-se de um modelo de negócios raro, um dos outros exemplos é o jornal britânico The Guardian, e um sonho para qualquer jornalista. Ora, existe coisa melhor que um diretor de redação reportar apenas a um conselho editorial? Sem pressão de anunciantes ou de outros interesses?
O que é um jornal independente? Ele independe do quê? O silêncio da Revista Piauí nos primeiros dias após a censura a fala de José Roberto de Toledo abrem espaço para uma boa discussão no jornalismo. Afinal, afirmar-se independente é um desejo de toda publicação. Meios de comunicação alternativos, fora da grande mídia, adoram se apresentar como independentes. Principalmente aqueles com alinhamento ideológico explícito. O meu jornal é independente, o que escreve o oposto é vendido.
E agora encontramos um caso de censura justamente no meio que parecia ser REALMENTE independente. Se isto ocorre numa publicação sem dono, sem dependência de publicidade, o que diremos sobre as outras?
Durante a enxurrada de críticas à Piauí por causa do Foro de Teresina, muitos leitores/ouvintes questionaram se os membros do conselho editorial da revista concordam com os fatos. Afinal, os sete membros do conselho poderiam intervir, não? Mas se eles intervirem, não será uma quebra da independência que a redação da revista precisa ter?
Espera-se que o caso Foro de Teresina se resolva e tenha um desfecho melhor que o imaginado após a última sexta-feira. A Revista Piauí é uma referência de bom jornalismo no Brasil. Um desfecho ruim, silencioso como foi até agora, será pior não apenas para a publicação, mas para todo o jornalismo.
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Triste ver isso na Piauí. Era a única revista que eu REALMENTE tinha prazer em ler, exatamente pelo seu formato aberto e sem amarras. Me deprime.