A Câmara dos Deputados pode votar nesta semana (14-18 de agosto) o PL 2370. O projeto de lei obriga as plataformas digitais a remunerarem artistas e jornais por conteúdos na internet. Uma boa notícia, certo? Mais ou menos! A Câmara piorou a proposta sobre o jornalismo. Caso a Câmara aprove, a lei vai ajudar jornais grandes e prejudicar os pequenos. Porém, é fácil ajustar este projeto e torná-lo bom.
O PL 2630 é o que regulamenta as plataformas de redes sociais no Brasil. Inicialmente, os deputados haviam incluído uma parte sobre as big techs remunerar o jornalismo. Por quê? Porque as big techs sugaram toda a publicidade da comunicação social, mesmo usando os conteúdos jornalísticos em suas plataformas. Houve uma grande pressão dessas empresas e o projeto foi adiado.
Depois, os parlamentares decidiram fatiar o PL 2630. Assim, conseguiriam aprovar com maior facilidade. É aí que entra o PL 2370. A deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) propôs em 2019 o projeto que obriga as mesmas plataformas a remunerar artistas por conteúdos artísticos na internet. No caso, não apenas as big techs, mas também empresas como a Globo, que não gostou muito.
Em princípio, a ideia é boa. Faz sentido unir o PL 2370, sobre remunerar artistas, com a parte do PL 2630 sobre remunerar o jornalismo. Entretanto, o relator do PL, deputado Elmar Nascimento (União-BA), não transcreveu os capítulos para o novo projeto. Ele redigiu outro texto, bem diferente. Abaixo, mostramos as diferenças.
Primeiramente, sobre remunerar o jornalismo:
Art. 32 Os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas de direitos de autor, na forma de regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente.
Orlando Silva, relator do PL 2630, ainda inclui os seguintes parágrafos:
§ 3º É livre a pactuação entre provedor de aplicação e empresa jornalística, garantida a negociação coletiva pelas pessoas jurídicas previstas no § 2º, inclusive as que integrarem um mesmo grupo econômico, junto aos provedores quanto aos valores a serem praticados, o modelo e prazo da remuneração, observada a regulamentação.
§ 4º A regulamentação disporá sobre arbitragem em casos de inviabilidade de negociação entre provedor e empresa jornalística.
§ 5º A regulamentação a que se refere esse artigo deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento.
Portanto, o relator foi claro: jornalismo regional, local e independente é importante e as empresas classificadas como pequenas e médias não podem ter prejuízo. Agora vejamos o que diz o PL 2370:
Art. 21-A. …
§ 2º Farão jus à remuneração prevista no caput as pessoas jurídicas, mesmo individuais, constituídas há pelo menos 12 (doze) meses, que produzam conteúdo jornalístico, de maneira original, regular, organizada e profissional, e que mantenham registro empresarial de pessoa jurídica, endereço físico e editor responsável no país.
§ 3º Para os fins previstos no § 2º, entende-se como jornalístico o conteúdo de cunho eminentemente informativo, que trata de fatos, opiniões, eventos e acontecimentos em geral de interesse público, independentemente do tipo ou formato, observados os princípios e padrões éticos de conduta no exercício da atividade de jornalismo.
§ 4° A pessoa física que já esteja produzindo e sendo remunerada pelo conteúdo jornalístico por plataforma digital de conteúdos de terceiros, de forma organizada e profissional, há pelo menos 12 (doze) meses antes da aprovação desta Lei, deverá se constituir na forma de pessoa jurídica no prazo de 6 (seis) meses da aprovação desta Lei para fazer jus à remuneração.
Não há destaques aqui para o jornalismo local e regional. Nem defesa das pequenas empresas. O texto fala no jornalismo regional em outro ponto, porém, de forma isolada.
§ 14. O disposto no caput visa o fortalecimento do jornalismo nacional, regional, local e independente, da inovação e da valorização e contratação de jornalistas e de trabalhadores relacionados à atividade
Parece uma boa ideia, não? Porém, quando os critérios para o acordo entre jornais e big techs são apontados…
Art. 21-B. O valor da remuneração a ser paga pela plataforma digital de conteúdos de terceiros às pessoas jurídicas previstas no §2º do art. 21-A, deverá considerar, os seguintes critérios, de forma cumulativa, sem prejuízo de outros:
I – o volume de conteúdo jornalístico original produzido;
II – a audiência, nas plataformas digitais de conteúdos de terceiros, dos conteúdos jornalísticos produzidos pelas pessoas jurídicas, desconsideradas técnicas de manipulação artificial de métricas de aferição.
III – o investimento em jornalismo aferido pelo número de profissionais do jornalismo regularmente contratados pela empresa, registrados em folha de pagamento e submetidos à Relação Anual de Informações Sociais – RAIS.
Vamos por partes:
Portanto, o PL 2370 é bom para o jornalismo. Para o jornalismo das grandes empresas de comunicação. É bom para a Globo, para o grupo UOL/Folha. Mas a partir do momento em que a lei coloca como critérios principais volume, audiência e número de funcionários, toda a imprensa alternativa e toda a imprensa local e regional do Brasil fica de fora da festa.
Devemos apoiar uma rejeição do projeto? Não! Temos uma alternativa melhor. Um pequeno ajuste salva o PL 2370. Assim como no texto do 2630, o novo projeto pode incluir algo como o parágrafo abaixo:
§ 5º A regulamentação a que se refere esse artigo deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento.
Isso não pode ser difícil. Os grupos Globo e Folha, principais lobistas do PL 2370, precisam entender que o jornalismo local e regional é fundamental. E que dinheiro para o jornalismo independente não ameaça seus monopólios. Se os deputados não pensarem nisso, que os senadores lembrem.
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