A Apple anunciou na terça-feira (20) que irá criar um serviço premium para o aplicativo Apple Podcasts. O usuário, mediante uma mensalidade, poderá usufruir da aplicação sem nenhum tipo de propaganda e algo que a empresa chama de acesso antecipado. A notícia abre a discussão sobre o modelo de negócios dos podcasts e como o indústria da música pode influenciar no jornalismo.
Na moda nos últimos anos, os podcasts continuam em fase de crescimento no Brasil e no mundo. O Spotify anunciou um crescimento de 200% no consumo deste tipo de programa no mundo em 2020 em relação ao ano anterior. A empresa de streaming de áudio sueca anunciou no começo deste ano ter mais de 345 milhões de usuários ativos no mundo, sendo 155 milhões os usuários premium. Em Portugal, o Digital News Report apontou que em 2020, cerca de 34% dos entrevistados afirmaram ter ouvido algum podcast.
O desafio da plataforma está no modelo de negócios. Assim como o conteúdo em texto nos primórdios da internet nos anos 90, os podcasts surgiram como uma opção de consumo gratuito de informações. São raros os podcasts pagos por uma razão simples: o consumo majoritário ocorre em aplicativos específicos de podcasts, que são todos gratuitos, ou em aplicativos freemium de streaming, como Spotify e Deezer.
Sem a possibilidade de cobrar pelo conteúdo produzido, os podcasts passaram a viver de anúncios, como nos programas de rádio, e por campanhas de financiamento coletivo. Mas vai em uma tendência contrária do jornalismo digital, cada vez mais restrito a assinantes.
Com uma eminente consolidação dos podcasts, a ideia de criar programas premium cresce. Spotify e Apple já pensavam nos últimos anos em criar um serviço pago. O Spotify, que adotou os podcasts em 2016, já financia programas de podcast no mundo como o Café da Manhã da Folha de São Paulo, ou seja, já temos podcasts exclusivos de algumas plataformas. A Apple passa a fazer isso agora no seu aplicativo exclusivo para o formato (o Spotify continua integrado com o streaming de música). Ambos trabalham com o freemium, app gratuito simplificado e pago com mais recursos.
Principalmente os podcasts que são financiados por essas empresas, como o Café da Manhã da Folha. Como os podcasts ainda estão em fase de expansão e ainda restritos a nichos, presume-se que essas restrições ainda possam demorar. Mas ao perceberem que o formato está mais do que consolidado no mercado, os podcasts premium exclusivos podem tornar-se uma arma para buscar novos assinantes.
O que foi escrito até aqui refere-se a grandes podcasts, produzidos em parceria com as plataformas. E os independentes? O caminho pode ser o modelo de negócios adotado na indústria da música.
Hoje, qualquer artista pode cadastrar sua obra no Spotify e ser remunerado. A plataforma paga ao artista de acordo com a quantidade de “plays”. A lógica, semelhante a publicidade programática do Google, ainda prejudica artistas muito pequenos, que precisam de uma audiência muito grande para ter algum tipo de retorno.
Porém, este formato poderia ser interessante para muitos podcasters independentes. Dos 10 podcasts brasileiros mais ouvidos no Spotify em 2020, cinco são independentes e não possuem parcerias com a empresa. É o caso do Nerdcast, que por muitos anos foi o mais ouvido do Brasil e o Flow, um dos mais ouvidos em todas as plataformas.
Um aspecto negativo desta remuneração nos moldes da indústria da música é a precarização no caso de uma expansão para outras atividades do jornalismo. Além da dependência forte de audiência para obter recursos, há novamente um intermediário entre o produtor de conteúdo e a audiência que fica com a maior parte dos recursos. Existe o risco de começarem a remunerar jornalistas por material produzido, de acordo com a audiência, sem a existência de um meio de comunicação nos moldes tradicionais. Mas isto é discussão para outro artigo.
É preciso acompanhar este novo plano da Apple e os movimentos de Spotify, Deezer e outras empresas de streaming de áudio. A empresa sueca já criou um sistema de publicidade programática próprio na sua página de hospedagem, o Anchor. Ir além das campanhas de financiamento coletivo é o desafio dos podcasts nesta década para sua consolidação.
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