O momento de crise econômica que entramos como consequência da pandemia do novo coronavírus afetou diretamente o jornalismo. Não há como uma recessão econômica não afetar de forma grave os jornais, cuja principal fonte de receita são os anunciantes.
Porém, se quisermos discutir as fontes de financiamento do jornalismo e quais os desafios para a próxima década, precisamos falar sobre a mídia programática, um modelo exclusivamente quantitavivo que é ao mesmo tempo, o modelo de negócios das fake news, a ruína do jornalismo local e o incentivador maior de práticas antiéticas como os click-baits.
O que é mídia programática
Os pesquisadores Stefanie Carlan da Silveira e João Gabriel Danesi Morisso (2018) definem mídia programática como “a compra e venda de espaços publicitários online de maneira automatizada e dentro disso, existem diversas maneiras de efetuar essa transação”.
Neste caso, o anunciante procura uma empresa, como a Google, para fazer o anúncio não observando qual veículo vai sair e sim qual o público que vai receber. O anunciante escolhe localização, idade, gênero, palavras-chave. E coloca o valor que quer gastar.
Na outra ponta, um produtor de conteúdo cadastra no programa AdSense para veicular anúncios pelo sistema do Google. Ele abre os espaços e recebe por cliques. Quem decide quais anúncios irão aparecer é o algoritmo que cruza dados do perfil solicitado pelo anunciante pela pessoa que acessa a página de conteúdo naquele momento.
Busca pela audiência
Os critérios da Google e de outras empresas que atuam com mídia programática para que os sites monetizem seus conteúdos são meramente quantitativos. Quanto mais cliques no anúncio, mais o jornal ganha. Clicou pouco, ganhou pouco.
Isso é muito diferente dos formatos tradicionais de anúncio, onde a credibilidade do jornal possui um peso muito maior. A venda do jornal ou a audiência digital não é o único critério no valor do anúncio. Um resultado negativo sobre isso é óbvio: o sensacionalismo. Se a monetização vem única e exclusivamente pelos cliques, os sites de conteúdo apostam em títulos apelativos, muitas vezes com informações distorcidas, os chamados click-baits.
A indústria das fake news
O caso Sleeping Giants, matéria do El País na última semana, mostrou como a mídia programática é, por muitas vezes, o modelo de negócios da indústria de fake news. A explicação é óbvia, uma página criada para disseminar desinformação precisa receber recursos com origem legal para evitar processos. Como as chamadas são sempre sensacionalistas e relacionadas a assuntos polêmicos (política, por exemplo), é óbvio que a audiência será alta, gerando cliques e dinheiro.
O Sleeping Giants foi a iniciativa de um publicitário americano que passou a mapear quais empresas apareciam como anunciantes nos sites de fake news através da mídia programática e entrou em contato com eles mostrando que a marca estava associada a um site de desinformação.
O resultado? Várias empresas americanas bloquearam esses sites de suas mídias programáticas e muitos desses sites quebraram. Essa campanha chegou ao Brasil e várias empresas brasileiras já cancelaram anúncios de propagadores de fake news.
A mídia regional e a mídia programática
O mesmo modelo que faz com que sites de desinformação e sensacionalistas consigam mais recursos diretamente das grandes empresas é que leva parte do jornalismo local à ruína.
Jornais locais nunca terão a audiência necessária para valer a pena o uso da mídia programática por motivos óbvios: possui público-alvo limitado geograficamente.
Quando um jornal local coloca mídia programática em seu site, ele corre o risco de um anunciante local colocar anúncio pelo Google AdSense e com isso chegar em seu público por meio do jornal local pagando um valor baixo para ele. A outra parte ficou com a empresa que faz a mediação, no caso a Google.
Muito além do Sleeping Giants, é preciso mudar o formato
A campanha do Sleeping Giants é muito positiva por jogar luz no grande problema da mídia programática, mas ela sozinha não resolve a questão e corre-se o risco de ficar “enxugando gelo” denunciando sites de fake news enquanto novos são criados. Lembrando que grupos de Whatsapp e robôs no twitter alavancam qualquer site novo.
A raiz do problema é a forma no qual a mídia programática usa em seu algorismo: o critério único do clique, da audiência. O jornalismo não pode ser financiado meramente com uma métrica quantitativa. Muitos outros critérios, qualitativos, precisam ser considerados como credibilidade, profissionalismo e também questões de abrangência, no caso dos jornais locais.
Como criar um algoritmo que leve em consideração essas variáveis é um desafio. Porém, este modelo atual precisa ser atacado e rediscutido: se a mídia programática for a principal fonte de receita dos sites na web, teremos um jornalismo cada vez mais sensacionalista, desinformador, apelativo e desconectado das sociedades regionais.