A primeira greve geral de jornalistas em 40 anos. Um novo capítulo da crise do jornalismo em Portugal ocorreu nesta quinta-feira (14). Segundo o Sindicato dos Jornalistas de Portugal, a greve atingiu 46 meios de comunicação, que tiveram fortes perturbações devido à adesão de jornalistas. Outros 15 veículos também registraram perturbações.
Eu escrevi há dois meses sobre a greve de jornalistas do Global Media Group, conglomerado de comunicação, proprietário de dois importantes jornais (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), que vive uma crise financeira que resultou em atraso de salários. O cenário continua incerto e desta vez, toda a categoria se uniu em uma greve geral.
Estudando a crise do jornalismo desde 2016, eu vejo nuvens negras se formando no céu do jornalismo de Portugal. Mas ainda não começou a chover. A trovoada vem aí, mas apesar deste parágrafo ter iniciado pessimista, entendo que o país tem chance se dar melhor que outros países que já passaram por isso.
SEM PERSPECTIVAS NA PUBLICIDADE. Primeiramente, eu já abordei o tema em outras oportunidades, a principal causa da crise financeira dos jornais é a perda significativa de publicidade. As empresas Alphabet (Google) e Meta (Facebook, Instagram) são os gigantes que controlam os anúncios na internet e, infelizmente, não há perspectiva de mudança de cenário.
Mas porque, então, as empresas de comunicação não buscam novas receitas? Porque elas não buscam quase nada de novo. Em Portugal, temos ótimos exemplos de ações inovadoras em meios como Região de Leiria, A Mensagem de Lisboa, Fumaça, ou mesmo nos grandes meios como Público e Observador. Porém, é evidente que inovação não é uma prioridade na comunicação social de Portugal em geral.
Poderiam, então, os meios buscarem novas audiências para obterem mais receitas? Nem isso é muito comum. O público mais jovem está cada vez mais desinteressado nos jornais no mundo inteiro, mas em Portugal o cenário é ainda mais grave. Há pouquíssima inovação na linguagem. Se quer as redes sociais os meios portugueses sabem usar muito bem. Temos bons exemplos? Sim, Público e Observador, por exemplo. Mas no geral, temos coisas como o Diário de Notícias, que espalha tuítes próximo da madrugada com as notícias do dia seguinte, sem planejamento algum. Ninguém interage.
A comunicação social portuguesa acredita muito na força do Estado português. Toda vez que se debate a crise na mídia, a ideia de um reforço do incentivo do Estado aos meios de comunicação aparece com muita força. Como jornalista brasileiro, ou seja, de um país com tradição de um estado fraco e desorganizado, essa ideia parece estranha, apesar de ser muito interessante. Em vários países europeis, o governo ajuda a comunicação.
Porém, o resultado das legislativas de Portugal aponta para outro caminho. Todas as lideranças dos partidos de esquerda se manifestaram no Twitter sensibilizados com a greve dos jornalistas. Mas eles serão oposição. O CHEGA, partido de extrema-direita nada simpático a imprensa, foi o grande vencedor na prática, ficando em terceiro lugar. Outro partido que pode compor o governo é a Iniciativa Liberal, uma sigla abertamente a favor da redução do Estado.
O PSD ganhou as eleições portuguesas, mas uma vitória fraca, que deve gerar um governo frágil. O futuro primeiro ministro Luís Montenegro tuitou sobre a greve dos jornalistas e defendeu um jornalismo e jornalistas livres para uma democracia mais forte. Mensagem correta e bem feita. Porém, foi duramente criticado pela posição.
É verdade que o antigo twitter é um território onde a extrema-direita se organiza muito bem, mas a quantidade de críticas ao jornalismo no tuíte de Montenegro deve servir como alerta. O governo do PS pouco fez pela comunicação social e o próximo também não deverá fazer. Logo, o jornalismo português esperar por uma ajuda do Estado, vai esperar sentado.
A principal boa notícia da greve de jornalistas foi a forte adesão da categoria. Muito diferente do Brasil, os jornalistas portugueses alguma consciência de classe. A categoria está realmente preocupada com o futuro do jornalismo e decidiu se mexer antes que comece a chover. Isso dá uma esperança que o problema pode ser vencido.
Destaca-se ainda a reação de diretores de jornais, entidades representativas. Temos os jornais demitindo funcionários a rodo, porém, temos muitos meios preocupados com o cenário que se avizinha. E esses estão dispostos a dialogar com a classe, com os jornalistas, em busca de uma solução. Resumindo, os agentes da comunicação social portuguesa querem evitar o pior. Algo que não fizemos na década passada no Brasil.
A greve de jornalistas que ocorreu ontem foi fundamental para que Portugal acorde para o problema que se avizinha. A categoria tenta evitar que as redações enxugadas, a precariedade no trabalho e o fechamento de jornais sejam normalizados.
Além de buscar a solução antes que seja tarde, Portugal ainda tem muito espaço para testar coisas novas. Mesmo sendo um país com apenas 10 milhões de pessoas, há público para projetos diferentes, formatos novos, públicos novos. O podcast Fumaça, o projeto Setenta e Quatro são alguns exemplos. E Portugal pode olhar até mesmo para fora do país em projetos jornalísticos não locais, em assuntos especializados.
A internet exige grandes escalas para ser rentável. Projetos especializados em cultura, economia, gastronomia, esportes podem ser feitas para um público além de Portugal. Há 200 milhões de falantes da língua portuguesa do Brasil, mais de 40 milhões na África, tem contar os portugueses que emigraram pelo mundo. Há pouco conteúdo internacional sendo produzido em Portugal e esse também é um nicho a ser explorado.
A tempestade vem aí e o jornalismo português já pegou o guarda-chuva. As chances de sobreviver a ela são muito maiores que em outros países.
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