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Jornalismo, estudos da mídia e um pouco de política | TODOS OS ARTIGOS
14 de dezembro de 2025

Conta lá e o desafio do jornalismo local audiovisual

Fazer jornalismo local audiovisual é um desafio para qualquer meio de comunicação em qualquer parte do mundo. Isto porque o audiovisual é o formato que mais exige recursos, mais demora para publicar um conteúdo no ar. E os meios locais são sempre os que dispõe de menos recursos financeiros. Um projeto jornalístico novo tenta desafiar a o cenário em Portugal. O Conta Lá estreou com a proposta de ser local e audiovisual em dimensão nacional. Como isso? Antes, é preciso contextualizar.

Conta Lá
Conta Lá no ar

Um país sem jornalismo local audiovisual analógico

Primeiramente, é preciso dizer que, diferente de Brasil e Espanha, Portugal não possui concenssão de sinal aberto de televisão para meios regionais ou locais. Perceba: pode ser feita a comparação com o Brasil porque um estado com dimensões semelhantes (Santa Catarina, por exemplo), possui sinais regionalizados. Você pode ter uma emissora com antena em apenas uma região.

O resultado disso é que o interior de Portugal raramente se vê na televisão, focada em Lisboa, Porto e algumas outras cidades litorâneas. Em localidades como a Covilhã, junto à Serra da Estrela, costuma-se dizer que a região só é notícia quando tem incêndio ou neve.

Portanto, o interior de Portugal se acostumou a apenas ouvir sua voz, ler seus acontecimentos, mas falta aquele detalhe que só o vídeo pode proporcionar. Tínhamos uma grande exceção no passado que era o Porto Canal, de propriedade do time de futebol, um canal local para Porto e região, com transmissão na TV fechada.

As WebTVs surgem para suprir essa demanda

Sem espaço na TV analógica e com pouquíssimo espaço na TV fechada, o jornalismo local viu na internet uma oportunidade de apostar no audiovisual, em “mostrar sua comunidade”. É verdade que autores como Pedro Jerónimo (2015) já destacaram que a transição para o digital ocorreu com lentidão no interior de Portugal devido a uma série de fatores. Porém, essa transição ocorreu e o vídeo passou a fazer parte dos jornais locais na internet.

O audiovisual digital vai desde alguns jornais apostarem em vídeos como o Reconquista de Castelo Branco e o A Voz de Trás-os-Montes de Vila Real até nativos digitais focados em vídeos como o CentroTV de Oliveira do Hospital e o Novum Canal de Paredes, que possui emissão ao vivo regular, como uma emissora de TV.

Observar o jornalismo audiovisual digital que se pratica em Portugal já estava na minha lista de atividades para fazer. Em 2024, fiz anotações sobre o que chamei de “jornalismo de YouTube” no Brasil, algo que está ser analisado de forma científica no momento. Em Portugal era claro a emergência do jornalismo local audiovisual em meios digitais por ser a única alternativa para apostar em vídeos.

Conta Lá em uma nova lógica

Quem também estava de olho no jornalismo local audiovisual era Sérgio Figueiredo. Ex-diretor de Informação da TVI, uma das principais emissoras de TV do país, o jornalista é um dos responsáveis pelo projeto Conta Lá, que segue uma outra lógica.

O Conta Lá é uma emissora de TV com sinal disponibilizado em TVs por assinatura e na web. É uma empresa de dimensão nacional, mas que tem como objetivo focar no conteúdo local. Há um componente forte sobre agricultura, ou tema caro para o interior de Portugal e muito foco em autarquias. Antes de estrear oficialmente, o Conta Lá realizou uma série de debates com os candidatos a presidência das Câmaras de diversos municípios portugueses.

O site estrou em 1 de dezembro e a tranmissão na TV no dia 11. Assim como as WebTVs online brasileiras, há um claro interesse em se posicionar bem no YouTube, não usando a plataforma como mero repositório de vídeos. O Conta Lá também apostou em jornalismo feito por IA, mas isso é tema para outra postagem. O foco é o local em dimensão nacional.

Proximidade em dimensão nacional?

As primeiras anotações que fiz sobre o conteúdo do Conta Lá apontam um agendamento clássico do jornalismo local: notícias sobre lançamento de festas de natal, muito foco nas Câmaras Municipais, espaço privilegiado para agricultura. São notícias típicas de jornal local, mas com uma diferença: quem produz é um meio de comunicação nacional e não ligado à comunidade.

E daí surgem as primeiras perguntas sobre o Conta Lá? Será possível fazer um jornalismo local audiovisual a partir de um projeto nacional? A proximidade do meio de comunicação com a comunidade, característica deste jornalismo, não fica prejudicada? Ou será que ajuda, pois a direção do meio não sofrerá pressões? Como fica a sustentabilidade financeira deste projeto?

O site, que tem notícias em texto, possui recurso de geolocalização, para filtrar as notícias por proximidade. Mas e quem segue o canal do YouTube? Quem mora no Norte do país vai querer saber sobre uma festa que ocorreu no Sul? Ou vai prestigiar justamente por ver um meio nacional dando visibilidade para mais comunidades?

Ainda é cedo para avaliar os resultados, porém, já podemos afirmar que trata-se de uma ideia pouco usual. Em 2019, eu e a jornalista e professora Aline Grupillo testamos o audiovisual para o Jornal do Fundão, na cobertura de um evento. No mesmo ano, lançamos o Viva Covilhã, que tinha foco no local audiovisual. As duas experiências confirmaram que: o público recepciona MUITO BEM essas iniciativas, mas o desafio continua a ser sustentabilidade financeira.

Veremos o que será o Conta Lá…

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