A sequência de erros políticos de Jair Bolsonaro na crise das queimadas da Amazônia abre uma grande oportunidade para as esquerdas recuperarem terreno junto ao eleitorado brasileiro. É hora de pedir impeachment? Não! A hora é de fazer exatamente o que a direita fez nos últimos anos e que a esquerda tinha feito no início do anos 2000: fazer uma polarização “inteligente”, e impor agendas de esquerda no debate brasileiro.
Já foi dito no post anterior que o discurso político de Bolsonaro sobre o meio ambiente é mais letal para ele que as práticas realizadas. O Brasil sempre teve problemas com o meio ambiente, mas o fato do presidente apoiar desmatamento desde os tempos de deputado, de ter se intitulado o “Capitão Motoserra” no começo de agosto, tornou a situação ainda pior. Os incendiários do “dia do fogo” foram estimulados com o discurso do presidente a a avançar.
Mas não basta atacar Bolsonaro. É quase um consenso entre os brasileiros (tirando a base de apoio fanática) que o comportamento do presidente foi errado nesse caso da Amazônia. Mas a situação ainda é fácil de resolver internamente. Vejamos:
- – Para boa parte da imprensa, o Agro é pop. Muita gente na imprensa não reclama do ataque ao meio ambiente, reclama apenas da reação do presidente.
- – Bolsonaro recuou. Ficou com medo depois que os gigantes do agronegócio como Blairo Maggi reclamando da atuação do Planalto. O pronunciamento em TV foi uma prova disso.
- – Daqui a pouco as chuvas voltam e os focos de incêndio vão acabar. Não espere que a imprensa que acha que o “agro é pop” vai manter o assunto na pauta.
- – O mercado financeiro vai querer mudar logo de assunto. Empresários vão querer mudar de assunto. Muita gente grande vai querer mudar logo de assunto.
Se o presidente fosse o Temer, a crise já teria sido contornada. Bolsonaro ajuda as esquerdas com suas teorias da conspiração, com sua política de levar tudo para guerra. Graças ao seu estilo, a crise vai durar um pouco mais tempo. E aí, as esquerdas precisam avançar:
- – Lideranças políticas, jornalistas, e até mesmo os cidadãos no dia-dia precisam reforçar que o “Agro é Tox”. Que o Bolsonaro não é o único problema nessa história.
- – É preciso reforçar, lembrar que quem coloca comida na mesa do brasileiro é o pequeno agricultor, não os gigantes do agronegócio.
- – É preciso abandonar o desenvolvimentismo do século XX entre os partidos de esquerda e abraçar de vez a “agenda verde”. É preciso conscientizar a própria esquerda que sem um desenvolvimento sustentável não há como fazer mais justiça social.
É a hora de fazer uma “polarização inteligente”. De solidificar a agenda verde na esquerda, apontar caminhos claros para este tema. Do outro lado, Bolsonaro vai continuar associando a direita as queimadas, destruição do meio ambiente.
A esquerda foi competente no passado em capturar as pautas identitárias para si. Liberais de direita não conseguem levantar questões LGBT, etnias, mulheres. A direita foi competente em capturar para si a pauta de segurança pública e de combate a corrupção. A esquerda ainda tem dificuldades em falar desses assuntos e convencer o eleitorado. Graças a Bolsonaro, o combate a corrupção pode ser desassociado da direita.
Dominar a agendas importantes como a ambiental, avançar sobre segurança pública e combate a corrupção diferenciando do discurso direitista é hoje mais importante para a esquerda que atacar Bolsonaro. Na verdade, o presidente pode ajudar muito àqueles que ele mais odeia.