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Journalism, media studies and some politics | ALL ARTICLES
23 de August de 2017

A sociedade está doente. E a imprensa tem parte da culpa

Uma professora de Língua Portuguesa agredida em sala de aula por um aluno de 15 anos na cidade de Indaial, Santa Catarina. As imagens da professora com o olho roxo e o rosto sujo de sangue deveriam chocar a sociedade. Por algum intante, imaginei que todos sairiam em defesa da educadora, pedindo providências ao Estado quanto a segurança dos profissionais, com discursos sobre a necessidade da autoridade do professor em sala de aula. Alguns pediriam uma punição maior para o estudante agressor, outros diriam que esse é retrato da insegurança no país, mas haveria um consenso que ela é somente vítima nessa história.

O que vimos, no entanto, foi assustador. A postagem da professora no Facebook teve uma enorme repercussão, mas além das mensagens de apoio e de revolta contra o caso, houve quem atacasse a educadora. E não foram poucos aqueles que se manifestavam dizendo que ela “mereceu”. Por que? Porque ela seria supostamente “de esquerda” e teria feito mensagens de apoio aos protestos contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

É difícil dizer que chegamos ao fundo do poço com a polarização partidária que vivemos, pois a cada diz que passa, algo pior acontece em alguma parte do país, mas basta uma passada nas seções de comentários de portais de notícias e nas redes sociais para afirmarmos a polarização política vive um período doentio e perigoso. Estamos perdendo o controle, a civilidade no debate politico. O que em algum momento do passado foi uma disputa acirrada, mas saudável sobre visões políticas é hoje uma guerra fundamentalista, religiosa, com seguidores fanáticos mais preocupados em destruir (nem que seja socialmente) o adversário que convencer que suas ideias são boas.

O cidadão que, ao saber de uma agressão de um aluno (com histórico de problemas) a uma professora quer saber primeiro se ela é “de direita ou esquerda”, esse cidadão está doente. A pessoa que acha que alguém mereça apanhar somente porque pensa ideologicamente diferente dela possui problemas. Quem defende tortura precisa de um psicólogo urgentemente. E ao que parece, o número de pessoas assim só aumenta.

Esquerda e direita não são religiões. Não são se quer, ideologias e sim classificações para correntes ideológicas sob o aspectos principalmente econômicos. Há esquerdas e esquerdas, direitas e direitas. Nem toda esquerda é marxista, nem toda direita é liberal. Mas isso pouco importa para quem transformou esses conceitos em religiões, em dogmas. Para esses, o que vale é se apegar a algumas características e atacar quem pensa diferente.

A guerra política deixou a sociedade doente. E a imprensa tem culpa nisso. Como? Explico abaixo.

Repare nos argumentos utilizados pelos fundamentalistas dessa guerra. Seja de direita, de esquerda, o que for. Anote os argumentos mais utilizados e faça uma pesquisa ampla no Google. Muitas dessas expressões e ideias foram difundidas na mídia por colunistas, comentaristas e outros formadores de opinião contratados por jornais, emissoras de TV e portais de notícias. Esses formadores lançaram os dogmas e os fieis seguidores passaram a repeti-las nas redes sociais.

A imprensa brasileira fomentou a guerra política. Muitos veículos tomam posições favoráveis ou contrários a determinados governos. Até aí, tudo bem. O problema é que muitos da imprensa embarcaram no fla-flu partidário e se tornaram integrantes da guerra. Como? Contratando brutucus que não tinham a intenção de fazer a crítica política, apenas provocar, ofender, fazer campanha contra o partido adversário. Jornais, revistas e rádios colocaram formadores de opinião desinteressados no debate, queriam apenas a doutrinação: seja ela de direita ou esquerda.

Vimos o monstro do ódio, da intolerância, do fundamentalismo ideológico crescer na internet nos últimos 10 anos. E a imprensa ajudou a alimentar esse monstro para ganhar mais audiência. Agora que a criatura saiu do controle, estamos todos assustados.

Um grupo de nazistas faz passeata em uma cidade pequena dos Estados Unidos e a discussão no Brasil é se o nazismo é de direita ou esquerda. Ou seja, ninguém discutiu o que aconteceu, o foco é atacar o “inimigo”.

A imprensa brasileira está reagindo. Vários desses brutucus perderam espaço nos últimos anos e essa guerra insana está na pauta. Mas os fanáticos ignoram. Talvez seja tarde demais. Eu ia sugerir uma discussão sobre educação e comunicação. Sobre ensinar mídia nas escolas, sobre fake news e pós-verdade. Mas se fizermos isso seremos acusados de “doutrinação”. E agora?

 

 

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