O jornalismo não deveria ser notícia nos jornais, já disse isso no artigo anterior. Porém, a crise de um dos maiores grupos de comunicação de Portugal, o Global Media Group (GMC), colocou a palavra crise nas manchetes. Programa da RTP, um dos temas principais do V Congresso dos Jornalistas e do XIII Congresso da Sopcom, a associação portuguesa de ciências da comunicação. O que muitos jornalistas e pesquisadores já sabem, mas não querem admitir é: jornalismo não é lucrativo e não sobrevive sozinho.
Uma parte dos jornalistas e pesquisadores focou o debate nos dois eventos na qualidade do jornalismo. Discute-se muito a tese que a velocidade da comunicação nos dias atuais, com os vídeos curtos do TikTok e Instagram e os textos curtos do Twitter, vai na contramão daquilo que o jornalismo precisa: tempo para produzir e consumir.
Posso questionar essa tese com o argumento que os tempos modernos geraram também projetos como Fumaça, Setenta e Quatro, Agência Pública e Catarinas. São meios digitais focados em reportagens que não existiriam ou não teriam alcance no analógico século XX. Um dos podcasts de maior sucesso do Brasil é o Xadrez Verbal, cujos episódios tem em média mais de três horas. Portanto, temos sim, espaço para reportagens mais elaboradas, um produto que NUNCA foi de massa, nunca atraiu imensas audiências.
Mas o que eu quero discutir aqui é a audiência. O jornalismo não perdeu apenas dinheiro e deixou de fazer produtos de alta qualidade. Ganhamos muita concorrência, de vários lados e tornamos insustentáveis sozinhos. A tese aqui é que precisamos pensar a solução da comunicação social como um todo, não apenas do jornalismo.
O jornalismo não tinha concorrência
No analógico século XX, os meios de comunicação eram muito lucrativos. Além de darem muito poder político aos seus donos, claro. A organização deste mercado favorecia o lucro: as emissoras de rádio e televisão são concessões públicas e limitadas. Não há uma autorregulação do mercado, é o Estado que decide quem vai poder participar. E falamos das mídias de massa mais populares. Antes da internet, ter uma emissora de rádio ou TV era um instrumento de poder.
O jornalismo impresso não tinha essa regulação do Estado, mas as condições de funcionamento funcionavam como um filtro. Quem conhece como funciona um meio impresso sabe a dificuldade que é circular um jornal ou uma revista. Ora, não basta produzir conteúdos, é preciso toda uma engenharia para que os exemplares chegam nas bancas e nas casas dos assinantes.
Logo, o que víamos nas cidades eram pequenos monopólios. Ás vezes, um político no Brasil bancava a criação de um jornal para fazer propaganda para si, mas o projeto durava pouco tempo. Outros adotavam a periodicidade SQP (Sai Quando Pode). Existiam, mas não faziam cócegas nos verdadeiros donos da comunicação impressa das cidades.
A Netflix concorre com o seu jornal
A maioria dos estudos e debates sobre a crise na comunicação social foca nas fontes de receita. E nesta área, todos estão cansados em dizer que o controle publicitário do mundo digital pertence as grandes plataformas. Os produtores de conteúdo ficam com trocados. Outros, corretamente, destacam a crise na credibilidade e autoridade do jornalismo. A polarização política no Brasil, a crise da democracia na Europa, tudo isso depõe contra os meios de comunicação.
Mas o que muitos gestores de meios de comunicação, jornalistas e pesquisadores evitam falar é que no modelo de negócios na internet, estão todos nos mesmo barco da concorrência: jornais locais, jornais nacionais, streaming de vídeo, streaming de áudio e qualquer outra coisa digital que possa reter a atenção e o dinheiro do usuário.
Isto porque a assinatura de um jornal digital entra na mesma lista que a Netflix e o Spotify. E não importa se os produtos sejam diferentes, é tudo assinatura digital. Depois, o canal de jornalismo local no YouTube é concorrente do MyNews, da Joven Pan, do ICL Notícias e também do Porta dos Fundos, de músicas, de canais amadores. Todos disputam a atenção dos usuários no mesmo espaço, na mesma plataforma.
Para muitos, o jornalismo não é essencial
Primeiramente, nós, jornalistas e pesquisadores, precisamos admitir que o jornalismo não é tudo isso que pregamos e parte da sociedade não considera essencial. As pessoas compravam jornal no passado porque eram obrigadas, porque queriam ficar minimamente informadas sobre o que acontecia nas suas cidades. Hoje, elas não precisam de um jornal para isso. As redes sociais cumprem esse papel.
A falta de um jornalismo profissional é ruim para as democracias? É péssimo. A desinformação reina onde não há jornalismo sério? Até mesmo onde há, a desinformação é um risco. Mas temos que perguntar: a sociedade valoriza tanto a ponto de pagar por ele? Todas as comunidades estão dispostas a isso?
Projetos de educação midiática (literacia mediática em Portugal) podem ajudar a valorizar o jornalismo na sociedade, mas não serão suficientes para fazer que o cidadão gaste muito dinheiro ou tempo de atenção com ele. O que a internet fez foi tirar o monopólio da informação do jornalismo e nunca mais teremos esse monopólio de volta.
Não se sustenta
As emissoras de TV sempre foram poderosas e lucrativas, mas a maior parte da programação delas não é jornalismo, é entretenimento. O Jornal Nacional tinha audiência e publicidade cara, mas a novela das nove sempre foi muito mais popular e lucrativa. A combinação de jornalismo e entretenimento foi a fórmula para a TV dar certo e continuar dando até hoje, mesmo com o avanço da internet na área dos vídeos.
Porém, é surreal pensarmos que um jornal impresso/digital nos moldes antigos vai ser lucrativo nos dias de hoje, onde a informação básica é gratuita e as opções de entretenimento premium são inúmeras. A Folha de São Paulo está bem de assinaturas digitais porque atua em todo o território nacional, possui mais assinantes digitais em Santa Catarina que todos os jornais do Estado juntos. O mesmo vale para o New York Times, mas em escala global.
Anda sim, quem dá lucro mesmo no Grupo Folha é o UOL, que possui um mix de serviços e produtos digitais que não são jornalismo. A Globo nunca foi um meio só de jornalismo e vem investindo muito na Globoplay, serviço digital focado no entretenimento que também tem jornalismo no pacote.
Por onde, então?
São inúmeros os jornalistas, os autores que escrevem teses sobre a importância do jornalismo para a democracia. Muitos deles defendem um investimento público para isso. Não discordo, porém, aqui pretendo falar daqueles que ainda querem fazer jornalismo fora da esfera pública.
Em termos nacionais, acredito que a fórmula do UOL e Globo.com seja o caminho. O jornalismo precisa fazer parte de um projeto de comunicação que faça mais que jornalismo. Admitimos que o jornalismo não dá lucros e inserimos ele em projetos com outros produtos que dão.
Em termos locais, a fórmula do UOL é quase sempre inviável, com exceção de grandes cidades e regiões metropolitanas. Portanto, o caminho vai ser falarmos mais de jornalismo comunitário, uma expressão muito forte no Brasil, mas ainda somente associada a regiões desfavorecidas. Em Portugal, o termo ainda é pouco usado.
Quando falo em jornalismo comunitário, falo de gestão comunitária, de participação da comunidade na produção dos conteúdos, SEM excluir o trabalho do jornalista. Falo em cooperativas, em entidades sem fins lucrativos, gerida por entidades da sociedade civil organizada. Em alguns casos, o entretenimento também pode ser agregado ao projeto. Em todos, os serviços comunitários são essenciais. Jornal local sem obituário não é jornal local e isso não é jornalismo.
Seja um meio nacional ligado a serviços lucrativos, seja um meio local de gestão comunitária, com atenção aos serviços, a tese aqui é que o jornalismo não se sustenta mais sozinho. O combate a crise precisa ser pensado de uma forma mais ampla, envolvendo toda a comunicação.