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17 de julho de 2019

A extrema-direita é forte em SC. Mas chamar tudo de nazista não é o caminho

A censura promovida por grupos de extrema-direita em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, que fizeram com que a organização da Feira do Livro da cidade desconvidasse a jornalista Miriam Leitão por não poder garantir a segurança dela virou debate em todo o país. No post anterior, temos um artigo exclusivamente sobre o avanço das milícias da extrema-direita, da internet para o mundo real. O post de hoje é sobre Santa Catarina.

O fato desta censura ocorrer em um estado que deu a maior vitória a Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições do ano passado, com direito a 5 deputados federais (de 16) e o governo estadual (Carlos Moisés também é PSL) fizeram com que o Estado ficasse conhecido como reduto bolsonarista, de extrema-direita. Alguns, como o filósofo Paulo Ghiraldelli, foram além e lembraram a simpatia de alguns moradores de regiões catarinenses com o nazismo. Como catarinense progressista, entendo que é preciso esclarecer alguns pontos.

1 – O bolsonarismo é forte, mas vem de cima

De fato, não foi apenas a vitória nas eleições. O bolsonarismo continua forte em Santa Catarina. As esquerdas estão desarticuladas e a centro-direita se apequenou durante o processo eleitoral do ano passado. Porém, é preciso entender algumas coisas. Houve uma grande pressão empresarial a favor do candidato do PSL nas eleições do ano passado no Estado.

Além do famoso caso de Luciano Hang, proprietário da Havan que gravou um vídeo “orientando” os funcionários a votar 17 nas urnas, há muitos outros casos de assédio eleitoral de empresários. Só que os outros não são midiáticos como Hang e não gravaram vídeos, fizeram isso em eventos mais discretos. Eu recebi um vídeo de uma cidade próxima a Blumenau onde o proprietário praticamente obrigava os funcionários a votar contra o PT.

Santa Catarina foi o estado que mais recebeu denúncias de assédio eleitoral no Ministério do Trabalho durante as eleições. Isso é importante e precisa ser destacado. Diferente de outras regiões onde o bolsonarismo tem origem em camadas mais populares, em Santa Catarina houve uma forte e influente campanha de empresários. Isso ajuda a conter manifestações contrárias. Muitos jaraguaenses estão revoltados com o caso Miriam Leitão, mas não vão se manifestar por temerem seus empregos.

2 – Extrema-direita sim, nazismo não

É preciso acabar com a fábula que toda a extrema-direita é nazista. Os movimentos autoritários de direita são diversos e não é porque Santa Catarina forte influência da colonização alemã que a extrema-direita estadual é toda nazista. Uma prova disso é que o movimento O Sul é o Meu País perdeu a pouca relevância que tinha após a eleição de Bolsonaro. Muitos só apoiaram a causa porque o PT estava em Brasília. Quando entrou a direita, abandonaram o barco.

Com o nazismo é igual. Muitos em Blumenau, Pomerode, Jaraguá, só se diziam nazistas quando o PT estava no poder. Agora eles são nacionalistas brasileiros com orgulho. Chamar todo bolsonarista de nazista é caricaturar a extrema-direita e isso não dá resultado nenhum. É uma minoria, uma meia dúzia de cidadãos que ainda fazem apologia ao regime, mas o número pode aumentar se colocarmos tudo no mesmo saco. O bolsonarismo é uma extrema-direita com características próprias, precisa ser combatido a partir do que ele realmente é, sem precisar de rótulos adicionais.

3 – Santa Catarina já deu 70% ao Lula. Blumenau já foi governada pelo PT

Se em 2018 Santa Catarina deu a maior vitória a Bolsonaro entre os estados, em 2002 o fato se repetiu a favor de Lula. O candidato do PT chegou a 70% dos votos e só foi ultrapassado no segundo turno pelo Rio de Janeiro, que tinha Garotinho como presidenciável no primeiro.

Na época, Blumenau, a terceira maior cidade de Santa Catarina era governada pelo PT, que teve Décio Lima prefeito entre 1997 e 2004. Itajaí, Joinville, Criciúma e Chapecó, cidades importantes do Estado, também já estiveram nas mãos dos PT. Florianópolis esteve nas mãos do PPS quando este ainda era um partido de centro-esquerda.

Se Santa Catarina fosse um estado tradicionalmente fascista, isso jamais teria acontecido. O que é fato: os catarinenses odeiam Brasília e possuem um sentimento de abandono/traição junto à União. O povo de SC já teve raiva do governo Fernando Henrique e depois passou a ter raiva dos governos do PT. Se Bolsonaro não atender as reivindicações estaduais, também virará alvo, mesmo que demore.

Outro caminho

É fácil tachar Santa Catarina como um estado fascista. Trabalha-se com esteriótipos que também são usados pelos catarinenses da extrema-direita para atacar o Nordeste.

Atacar tradições do estado, sua história e colonização definitivamente não é o caminho para derrotar a extrema-direita em Santa Catarina.

O caminho, talvez, seja o oposto. Resgatar a verdadeira história do Estado. De imigrantes italianos que fugiram da fome e da tirania de governos. Do surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do fato de hoje termos uma agropecuária predominantemente familiar. A Alemanha atual, não a de 1933, também pode ser um bom exemplo. Empresários que cresceram a base de sonegação de impostos e ajudas volumosas do BNDES para depois cuspir no prato não precisam, não devem ser o exemplo de sucesso. Temos coisas melhores para mostrar.

 

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