Os desafios para o jornalismo regional já eram imensos antes do coronavírus e tornaram-se ainda maiores com a pandemia. As medidas de restrição social afetam principalmente o setor terciário (comércio e serviços) e os pequenos comerciantes são aqueles com maior dificuldade de sobreviver a um, dois, até três meses de portas fechadas. São esses comerciantes quem anunciam nos jornais pequenos, regionais, de interior.
Mesmo os que sobreviverem e entenderem a importância de ajudar a imprensa local, esses comerciantes terão ainda menos capital para investir em publicidade. Cortar anúncios não será uma estratégia e sim uma necessidade. O poder público vai precisar ajudar de alguma forma, mas só ele será insuficiente para impedir um estrado ainda maior nos pequenos jornais.
Discute-se, então, a questão das assinaturas. A participação dos públicos no financiamento dos jornais. De fato, temos hoje tecnologias acessíveis para todos os jornais pequenos restringirem seus conteúdos na internet, o famoso paywall. Há também formas de crowdfundings, quando o apoio não dá-se por conteúdos exclusivos e sim por contribuições espontâneas aos jornais.
Os paywalls vão crescer no jornalismo regional, assim como os crowdfundings, porém há outro desafio nesta parte, relacionado ao comportamento dos leitores. Além da pergunta óbvia, o cidadão quer pagar por notícias digitais?, devemos incluir outra, ainda mais complicada: o cidadão vai pagar por mais de um jornal digital?
Concorrência desnivelada
O tipo de público que paga por conteúdo digital é pequeno, mas fácil de ser descrito: é o cidadão já acostumado com as novas tecnologias, que não mais necessita que o produto comprado seja físico. É a pessoa que além de um jornal digital, assina também pelo menos um serviço de streaming de vídeo (Netflix, Amazon Prime, HBO Go), um de áudio (Spotify, Deezer, Google Play Music), além de comprar ebooks, fazer cursos online, etc.
Qual a ideia aqui: o cidadão que está disposto a pagar por um jornal digital, já compra diversos outros produtos na web. Esse cidadão possivelmente já paga por um jornal digital e a parcela dos que têm condições e interesses de pagar por mais de um é pequena, muito pequena.
Isto é, quando um cidadão vai pagar por uma assinatura digital, ele terá opções de assinar um jornal local ou um jornal estadual/nacional/global, provavelmente fazendo uma escolha entre eles. Quem já paga Netflix, Spotify e cia, não vai pagar por dois jornais.
Quais os critérios o leitor terá na hora de escolher qual jornal digital vai assinar? Um jornal local consegue por o seu preço inferior aos nacionais, mas a diferença é muito pequena. Na variedade de conteúdos, o jornal nacional vence. E ainda há o risco do jornal nacional ter as notícias locais, talvez sem tanto aprofundamento, mas suficiente para o leitor.
É preciso entender que na disputa pelo cliente, jornais locais e nacionais disputam o mesmo espaço e, muitas vezes, disputam espaço com outros serviços como os streamings de vídeo e áudio. Sem dúvidas, o jornalismo local tende a ser o concorrente mais fraco.
É como uma loja de informática de uma cidade pequena contra uma Amazon. Eles vendem o mesmo produto, mas quando o público alvo prefere uma compra física, a loja local ganha em praça e promoção, apesar de não ter o preço melhor. Quando o cidadão prefere compra pela internet, mesmo que a loja da cidade tenha venda online, a grande rede terá a melhor praça e promoção.
Glocal e cooperação
Fenômenos como o jornalismo hiperlocal existem pelo mundo, mas seus cases de sucesso normalmente são em bairros ou localidades de grande metrópoles, onde mesmo um corte profundo na área de abrangência ainda garante um público suficientemente grande para chamar a atenção.
No jornalismo local de interior, não há esse volume de público, tampouco de conteúdos e você depara-se com dois públicos problemáticos, um mais velho sem interesses por pagamento de produtos digitais e outro mais jovem, com disposição para compra na internet, porém muito mais globalizado e tão interessado nas notícias do mundo quanto da sua localidade.
Os desafios do jornalismo regional na internet após uma pandemia que colocou seu público na internet e seus tradicionais anunciantes no vermelho vão além de uma transição mais rápida para o digital. É preciso pensar o jornalismo glocalmente, isto é, global e local ao mesmo tempo.
Para atrair os públicos que gastam dinheiro na internet, os jornais locais precisarão ser mais atrativos e mais globais, apesar do foco regional. E é muito difícil imaginar que as pequenas empresas de mídia terão condições financeiras de fazerem essas mudanças
Somente uma união de jornais pequenos, que atuem de forma cooperativa, reduzindo custos, adquirindo tecnologia juntos e trabalhando de forma colaborativa (desde reportagens e até uma assinatura em comum) poderá fazer com que esses jornais tornem-se atrativos e com um bom custo benefício para seus assinantes.